4.12.07

Nova lei não faz disparar número de candidaturas de trabalhadores estrangeiros

Ricardo Dias Felner, in Jornal Público

O atendimento no SEF está mais rápido, mas a pressão sobre serviços diminuiu. Até agora, só 16.660 imigrantes assalariados avançaram com candidaturas. Quase todos via Internet


O dia de ontem era, tradicionalmente, complicado no SEF: os imigrantes, após o descanso do fim-de-semana, costumavam dirigir-se em massa ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras para tratar da sua documentação. Sucede que as "segundas-feiras negras" parecem ter os dias contados. Por uma razão: agora, praticamente todos os atendimentos são marcados pelo próprio SEF, através de um contacto telefónico. E quem aparece sem agendamento é mandado para trás.

Só isso explica que, nas instalações da Avendida de António Augusto Aguiar, em Lisboa - numa altura em que passam quatro meses após a entrada em vigor de uma nova lei, que, supostamente, previa a regularização de imigrantes ilegais -, o ambiente fosse tranquilo, sem filas e sem gente à porta do edifício.

No interior, cerca de duas centenas de imigrantes aguardavam sentados pela sua vez, atentos aos monitores com os números das senhas de atendimento previstas para cada balcão e à chamada, feita em várias línguas, que ecoava das colunas dispersas pela sala.

Esta civilidade incomum, naquela que é uma das repartições mais concorridas do país, contrariava o prognóstico de uma avalancha aos serviços do SEF, feita há quatro meses atrás. Antes da entrada em vigor das novas leis de estrangeiros, a 3 de Agosto, o Governo anunciara que o novo regime legal permitiria a regularização excepcional de muitos trabalhadores estrangeiros que se encontravam ilegais em Portugal. E essa perspectiva gerou uma corrida tumultuosa aos serviços do SEF, levando ao entupimento dos canais de atendimento e a uma posterior suspensão do processo de atribuição de novas autorizações de residência.

A questão que se coloca é saber o que aconteceu às dezenas de milhares de imigrantes que, por esses dias, fizeram 900 mil contactos telefónicos para o SEF, requerendo informações e procurando iniciar a sua regularização em Portugal.

A resposta não será simples, mas parece evidente que três razões concorrem para a explicação: por um lado, há mais organização do SEF no atendimento; por outro lado, o Governo corrigiu um discurso público, inicialmente muito aberto a novas legalizações; e, por outro, foram instituídos novos procedimentos de atendimento, com recurso nomeadamente à utilização da Internet, que não prevêem nuances aos requisitos de candidatura e que afasta boa parte dos trabalhadores por conta de outrem, a maioria desqualificados em novas tecnologias.

O secretário de Estado adjunto e da Administração Interna, José Magalhães, afirmou ao PÚBLICO que foram mobilizados "novos meios" para o atendimento no SEF. O responsável pela tutela do SEF elogiou ainda o novo sistema de pré-agendamento do atendimento e ao novo registo informático de candidaturas, feito através da Internet.

Residência só no Natal

De acordo com os números oficiais, no âmbito do artigo 88 da nova lei de estrangeiros, que permite a regularização de trabalhadores estrangeiros (que já descontaram para a segurança social, mas que estavam ilegais no país), 11.600 candidaturas, de um total de 16.660, foram feitas através do portal do SEF na Internet.

Ainda segundo José Magalhães, para o mesmo efeito, em média, o SEF está a demorar 17 dias entre o agendamento e o atendimento serviços. Quanto ao número de novos imigrantes legalizados, para efeitos de trabalho, ainda ninguém viu o processo concluído, mas José Magalhães garante que "já têm despacho positivo 665 pedidos".
Timóteo Macedo, da maior associação de imigrantes do país, confirmou ao PÚBLICO existir "uma melhor organização dos serviços". Mas chamou a atenção para a forma altamente selectiva como está a ser gerido fluxo de candidatos. "O procedimento preferencial é o registo pela Internet. Ora muitas pessoas nem sabem o que isso é. E as que nós ajudamos aqui, na associação, continuam a ter um problema. É que não pode haver nenhuma falha com os seus papéis para que a candidatura pela Internet seja aceite. E muitas vezes há e a culpa não é deles."

Timóteo Macedo dá o exemplo daqueles a quem a Segurança Social se atrasou na atribuição dos cartões. Nestes casos, "a alternativa é enviar o processo para um apartado. Mas não estão a dar prioridade a esta via".

Independentemente das razões, certa parece ser a diminuição da pressão sobre os serviços, comparativamente com outros períodos, no passado, em que se anunciaram excepções legislativas que permitiram a legalização de imigrantes irregulares.

Para se ter uma ideia, a anterior alteração ao regime de estrangeiros feita em moldes semelhantes aos previstos na actual lei, por exemplo, que culminou no processo dos CTT, em 2004, gerou mais de 53 mil candidaturas logo no primeiro mês em que vigorou.

Números da Imigração

409.185
era o valor total de estrangeiros a residir legalmente em Portugal, no final de 2006, de acordo com dados do SEF.

65.485
cidadãos naturais de Cabo Verde estavam registados no SEF, em 2006, representando a maior comunidade estrangeira em Portugal.

65.463
cidadãos brasileiros estão legalizados no país, a segunda maior comunidade imigrante do país.

2508
brasileiros foram identificados no ano passado como estando ilegais no país - um valor muito abaixo das estimativas, mas que coloca esta comunidade no topo da tabela dos clandestinos.

4263
renovações de autorizações de permanência concedidas, desde que a nova lei de estrangeiros entrou em vigor. Este título acabou, com a actual legislação, mas ainda foram prorrogados processos já entrados antes de 3 de Agosto.

2428
novos títulos de residência, para vários efeitos, englobando, por exemplo, trabalhadores estrangeiros liberais ou por conta de outrem, estudantes, ou familiares de imigrantes que já se encontravam em Portugal.

16.660
candidaturas a autorizações de residência, para efeitos de trabalho por conta de outrem, ao abrigo das excepções para estrangeiros ilegais em Portugal, previstas no artigo 88, número 2, da nova lei.

665
é o número de despachos positivos dados pelo SEF às candidaturas para legalização de trabalhadores estrangeiros, estabelecidos em Portugal, sem documentos.