Ricardo Garcia, in Jornal Público
Os representantes de 190 nações reúnem-se durante duas semanas em Bali para começar
a construir um novo acordo para limitar as emissões de gases com efeito de estufa
Depois de dez anos a ser apontada como inimiga do Protocolo de Quioto, a Austrália ratificou-o ontem e passou ao estatuto de herói. O chefe da delegação australiana à conferência climática anual das Nações Unidas - que ontem começou em Bali - foi ovacionado de pé, ao anunciar que o seu país finalmente ratificaria Quioto.
A adesão ao tratado ocorreu pouco depois, assim que o trabalhista Kevin Rudd tomou posse como novo primeiro-ministro da Austrália. O instrumento de ratificação foi assinado logo a seguir. Foi o primeiro acto do novo Governo.
A atitude australiana deixa os Estados Unidos isolados, como o único país desenvolvido que não aderiu ao Protocolo de Quioto. O tratado foi adoptado em 1997 e obriga o mundo industrializado a reduzir as suas emissões de gases que aquecem o planeta, como o dióxido de carbono (CO2).
Os EUA são os maiores emissores do mundo. A Austrália está na lista dos dez maiores entre os países desenvolvidos (ver O mapa-múndi do CO2 em www.publico.pt). Apesar de lançar 14 vezes menos dióxido de carbono do que os EUA, é quem tem as maiores emissões per capita: cerca de 26 toneladas por habitante, por ano - mais de três vezes o que cada português polui (8,1 toneladas por ano).
As emissões de gases com efeito de estufa na Austrália subiram 25,6 por cento entre 1990 e 2005. De acordo com o Protocolo de Quioto, só podem subir oito por cento até 2012.
Dificilmente cumprirá
O novo Governo de Kevin Rudd admite que dificilmente cumprirá Quioto. Mas tem várias medidas em carteira, como a criação de um sistema nacional de comércio de emissões até 2010 e adopção de uma meta de 20 por cento para energias renováveis no país até 2020. Até 2050, o Governo aposta numa redução de 60 por cento nas emissões de carbono.
O anúncio da ratificação de Quioto pela Austrália dominou as atenções da cerimónia de abertura da conferência de Bali, que reúne representantes de cerca de 190 países.
"Respeitamos a decisão da Austrália", disse Harlan Watson, chefe da delegação norte-americana, citado pela Reuters. "Não estamos aqui para ser uma força de bloqueio. Estamos determinados a chegar a resultados", completou.
Nas próximas duas semanas, a conferência de Bali vai tentar lançar as bases para a negociação de um novo tratado internacional para o problema das alterações climáticas (ver texto adicional).
"O mundo está a olhar-nos de perto", disse o ministro indonésio do Ambiente, Rachmat Witoelar, que preside à conferência. "As alterações climáticas são inequívocas e estão a acelerar", alertou.
Witoelar acrescentou que apesar de não ser ainda em Bali que se irá decidir os termos de um novo acordo mundial, a conferência tem de produzir resultados concretos. "Enquanto lançar as negociações e [a fixação de] uma data-limite para a sua conclusão até 2009 será um sucesso, qualquer resultado aquém disso constituirá um falhanço", disse. Cerca de 10 mil pessoas, entre delegados, representantes de organizações não-governamentais e jornalistas, são esperadas em Bali.
Em busca de um roteiro para o clima
Processo
Há dois fóruns de discussão. Um está ligado à Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, adoptada em 1992 e ratificada pelos EUA. O outro tem a ver com o Protocolo de Quioto, um subproduto da convenção quadro, do qual os EUA não fazem parte. No primeiro, decorre um "diálogo" sobre propostas para conter o aquecimento global. E o protocolo obriga a discutir novos compromissos de redução de emissões de gases com efeito de estufa dos países desenvolvidos.
Calendário
O objectivo central é adoptar um novo acordo internacional sobre as alterações climáticas até ao fim de 2009. Arrastar o processo significaria correr o risco de chegar a 2012, fim do primeiro período do Protocolo de Quioto, sem nada, e aí tudo seria permitido. Mesmo os EUA concordam com a data de 2009.
Prevenção
A palavra não é bem essa, mas sim "mitigação". Esse é um dos quatro blocos que têm de integrar um futuro acordo climático. Os outros são adaptação, investimento e finanças, e tecnologia. Mas na mitigação estão alguns dos maiores desafios. A União Europeia tem uma proposta: aceita reduzir em 30 por cento as emissões de CO2 até 2020, desde que outros países desenvolvidos façam esforços "comparáveis" e que grandes economias do mundo em desenvolvimento "contribuam de acordo com a suas responsabilidades e capacidades".
Adaptação
A Terra vai continuar a aquecer. A vida vai ter de se adaptar a efeitos como a subida do nível do mar e mais secas, cheias e ondas de calor. Um novo acordo climático terá de incluir mecanismos para apoiar esforços nacionais e regionais de adaptação. Os países mais capacitados têm de ajudar os mais pobres e vulneráveis.
Dinheiro
É preciso encontrar novas formas de financiamento para conter as emissões de gases que estão a aquecer o planeta, e para preparar um futuro mais quente. Para reduzir as emissões, muito do dinheiro poderá vir do sector privado, pressionado pelo preço do carbono e eventuais obrigações legais. Para a adaptação às alterações climáticas, existe um fundo para os países mais vulneráveis, mas ainda não funciona. É consensual que é preciso alargar e criar novos instrumentos de financiamento.
Tecnologia
É uma peça central na luta contra o aquecimento global. Especial atenção está a ser dada à captura e armazenamento de carbono (enterrar o CO2 que sai das chaminés das indústrias), a novas tecnologias para combustíveis fósseis, às energias renováveis e ao nuclear. Mas desenvolver novas tecnologias custa dinheiro. Uma ideia é repartir custos com os governos. R.G.