Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público
A Comissão Europeia deu ontem luz verde ao plano francês de apoio ao sector automóvel e mostrou-se "satisfeita" com a ausência nesse plano de medidas de cariz proteccionista
A disputa sobre o proteccionismo anunciada para a cimeira especial de líderes da União Europeia (UE) que hoje decorre em Bruxelas foi ontem esvaziada in extremis depois de a Comissão Europeia ter dado luz verde ao plano francês de apoio ao sector automóvel.
Submetida nos últimos dias a uma enorme pressão de Paris para emitir antes da cimeira o seu veredicto sobre a conformidade da ajuda com o direito comunitário, a Comissão declarou-se "satisfeita com as garantias apresentadas pelas autoridades francesas sobre a ausência de cariz proteccionista no plano de ajuda ao sector automóvel". Estas garantias foram fornecidas ontem mesmo pelo Governo francês, precisa Bruxelas, em comunicado.
Esta decisão contribuirá de forma decisiva para desanuviar o ambiente de uma cimeira que foi convocada de emergência no início de Fevereiro para apagar os focos de tensão que surgiram nas últimas semanas entre os países mais antigos da UE e os novos Estados-membros do Leste em torno das respostas nacionais à crise económica e financeira (ver caixa).
O tema ameaçava tornar-se no prato forte da cimeira e agravar a tensão entre os dois blocos de países, tanto mais que Paris fez saber que o presidente francês, Nicolas Sarkozy, bateria "com o punho na mesa", se o seu plano não fosse aprovado até lá.
O diferendo sobre o proteccionismo parece assim afastado face à garantia da Comissão de que os franceses se comprometeram a que "as convenções de empréstimo [a concluir] com os construtores não contenham nenhuma condição sobre a localização das suas actividades ou o fornecimento prioritário junto de fornecedores instalados em França".
Mesmo com esta polémica ultrapassada, não faltarão, no entanto, temas de contencioso para a reunião de hoje que, por ser "informal", liberta os líderes dos constrangimentos habituais - incluindo o "controlo" dos diplomatas e a obrigação de emissão de conclusões oficiais. Isso deverá permitir uma animada discussão à porta fechada.
Os países de Leste não escondem a sua frustração pelo que consideram a falta de solidariedade dos parceiros ocidentais face ao risco que enfrentam de cessação de pagamentos devido à fuga maciça de capitais do seu território e queda abrupta das suas moedas.
Os líderes de nove dos dez membros do Leste (a excepção é a Eslovénia) deverão aliás preceder a cimeira da UE de uma reunião a sós, já em Bruxelas e a convite do primeiro-ministro polaco, Donald Tusk, para acertar estratégias para a discussão a Vinte e Sete que começa ao almoço.
Plano de 100 mil milhões
Ferenc Gyurcsany, primeiro-ministro húngaro, tem insistido, sem grande sucesso, na criação de um plano europeu de 100 mil milhões de euros de apoio aos bancos do Leste. A reivindicação perdeu uma boa parte da razão de ser depois de três instituições financeiras internacionais terem anunciado sexta-feira um pacote de 24,5 mil milhões de euros para o mesmo fim.
O encontro dos chefes de governo do Leste constitui igualmente uma reacção à reunião dos líderes dos seis países mais ricos da UE que teve lugar no domingo passado, em Berlim, para preparar a posição europeia para a cimeira do G20 (os países mais desenvolvidos do mundo e as principais economias emergentes) - um tema que estará igualmente em discussão hoje - e que os excluídos consideram uma tendência fracturante na UE. Portugal assumiu a mesma posição.
Tusk e Gyurcsany poderão intensificar, por outro lado, o pedido avançado esta semana para a sua integração acelerada no euro, de modo a poderem beneficiar da sua protecção na actual crise. Esta pretensão pressupõe uma flexibilização das condições de entrada na moeda única, sobretudo as exigências em termos de inflação e estabilidade cambial, o que é quase certo que os restantes membros da UE recusarão.
Um terceiro tema de contencioso tem a ver com a questão de saber se os Vinte e Sete devem ou não fixar uma data para a correcção dos desequilíbrios orçamentais nos países em derrapagem em resultado da crise e dos planos nacionais de estímulo à economia. A República Checa, um dos países menos afectados pela crise e que maior aversão tem à intervenção do Estado na economia, quer fixar o ano de 2012 para a consolidação orçamental, o que os franceses rejeitam terminantemente.