19.3.09

Preservativo põe ONU contra Papa

in Diário de Notícias

Criticado após levantar a excomunhão de um bispo que nega a existência do Holocausto, Bento XVI chegou a África envolvido em nova polémica: disse que o preservativo não ajuda a salvar da sida, só piora o problema.

Todos os dias 7400 pessoas são infectadas com o vírus da sida. O valor é das Nações Unidas e explica porque a organização veio ontem afirmar: "O preservativo é essencial na prevenção" da propagação do vírus que já infectou 33 milhões de pessoas, dois terços das quais vivem na África subsariana. O comunicado da ONU surgiu como resposta à polémica gerada pelas declarações do Papa que, a caminho dos Camarões, afirmou: "Não se resolve o problema da sida com preservativos. Pelo contrário, o seu uso agrava o problema."

França e Alemanha foram as vozes mais críticas contra as palavras do Papa. Em Paris, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros mostrou-se "muito preocupado" com uma atitude que disse "pôr em perigo a vida humana". Para Eric Chevalier, citado pela AFP, "a par da informação, educação e despistagem, o preservativo é fundamental na prevenção do vírus da sida". O antigo primeiro-ministro Alain Juppé foi mesmo mais longe, denunciando o "autismo" de Bento XVI.

Na Alemanha, país natal do Papa, a ministra da Saúde, Ulla Schmidt, não o referiu pelo nome, mas afirmou: "Os preservativos salvam vidas, tanto na Europa como noutros continentes." Às palavras, Espanha preferiu os actos. O Governo de Madrid anunciou ontem o envio de um milhão de preservativos para o continente africano.

A maior indignação veio das organizações não governamentais que trabalham com doentes de sida em África. A Oxfam garantiu que o acesso aos preservativos é "crucial" na luta contra novas infecções e até a Christian Aid admitiu: "As palavras do Papa não foram bem recebidas" e "passam uma mensagem confusa a países onde o cristianismo está em expansão".

Para os Médicos do Mundo, a posição de Bento XVI é "muito grave", uma vez que podem agravar a situação na África subsariana, onde já se concentram dois terços dos infectados com sida. Já a ONG camaronesa Mocpat, que trabalha para facilitar o acesso dos doentes aos medicamentos, questionou-se se o Bento XVI "viverá no século XXI?" E o seu presidente, Alain Fogué, garantiu à AFP que "as pessoas não vão fazer o que o Papa diz. Ele vive no Céu e nós na Terra".

A Igreja Católica defende a abstinência e a fidelidade para evitar o contágio com o vírus do HIV/sida. Uma posição que já fora veiculada por João Paulo II e que o próprio Bento XVI já expressara, em 2005, pouco depois de ter sido eleito Papa.

O Vaticano saiu imediatamente em defesa de Bento XVI, recordando que o Papa se limitou a reafirmar uma ideia que já fora veiculada pelos seus antecessores.

Aparentemente indiferente à polémica, Bento XVI prosseguiu o programa da sua visita, encontrando-se com os bispos camaroneses em Yaoundé. No seu discurso, o Papa defendeu os valores tradicionais da família e sublinhou a importância de poupar os pobres do impacto da globalização.

Antes de falar aos bispos na igreja do Cristo-Rei, o sucessor de João Paulo II esteve reunido com o Presidente dos Camarões, Paul Biya, no palácio presidencial. Num passeio pelas instalações, guiado por Biya e pela primeira dama, Chantal, o chefe da Igreja Católica ainda encontrou tempo para afagar um leão embalsamado.

Para hoje, o Papa tem prevista a celebração de uma missa na basílica Maria Rainha dos Apóstolos. O primeiro encontro com a população africana só ocorrerá durante uma celebração ao ar livre no estádio Amadou Ahidjo. Bento XVI segue amanhã para Angola, onde cumprirá a segunda etapa da sua primeira visita a África.