3.5.09

Famílias vão inventando truques para poupar na alimentação

Ana Cristina Pereira, in Jornal Público

Fernanda compara os preços todos, Maria compra legumes aos agricultores, Graça faz os seus iogurtes em vez de comprá-los na loja


Fernanda Silva corre de um supermercado para outro. Vai atrás da promoção que melhor lhe serve. Lá em casa há seis bocas para alimentar. Ela, a mãe, um irmão, o marido, o filho, a filha. Trabalham quase todos. O marido é copeiro, o filho varredor. A mãe, reformada, dá uma mão numa cozinha. E ela faz limpeza. Os salários são pequeninos. O dela mais do que qualquer outro.

"Está tudo muito caro!" A família tem de fazer opções - "há-de ser para vestir ou para comer!" Remedeia-se "com a roupa que há". Deixar de comer é que não pode. Fernanda compara os preços de quatro cadeias de supermercados. Compra o arroz e a massa num, o óleo e o azeite noutro, os iogurtes noutro, os detergentes noutro. "A gente, com o dinheiro na mão, vai onde quer!"

Maria Monteiro partilha um supermercado com Fernanda. Vai lá buscar massa, arroz, óleo, azeite, queijo, fiambre, manteiga, detergentes. Privilegia as marcas brancas, o granel. E, já em casa, recorre a outras manhas. Evita fritos. Uma refeição de pataniscas, por exemplo, "demora muito a fazer, gasta muita electricidade". Prefere cozidos, estufados, assados.

Com a crise financeira e económica a avançar, sorrateira, para as várias esferas da vida de cada um, afinam-se as estratégias de poupança. Alguns parecem dominar todos os truques, como Maria. Aproveita saídas do Porto para abastecer a dispensa. Na estrada que liga a Apúlia à Póvoa de Varzim, encontra muitas mulheres de lenço na cabeça a vender legumes e frutas.

Ainda domingo, 26 de Abril, teve de ir a Vila Nova de Cerveira tratar de uns assuntos e trouxe 20 quilos de batatas por cinco euros, três quilos de feijão vermelho por dois euros e meio. Pôs logo meio quilo de molho. "Três quilos de feijão dão-me para fazer umas cinco feijoadas para seis pessoas!"

É uma bem remunerada profissional da comunicação. Só que tem de fazer face a muitas despesas: três filhos a cargo, a estudar; uma enteada com a mãe, também a estudar. Gere o orçamento com cuidado. Trouxe cenoura, cebola, tomate, alface, maçã. A maçã custou-lhe 50 cêntimos o quilo. Nos supermercados é raro aparecer maçã com aquela qualidade a menos de 1,20.

Não vai sempre à Apúlia, claro. Por norma, compra a fruta e os legumes na mercearia que fica na sua rua. O merceeiro "traz maçã de Lamego, de Moimenta da Beira; grelos de Bragança"... Às segundas e às quartas-feiras à noite descarrega. Maria passa por lá à terça e à quinta de manhã. "O que não compensa é fruta tropical - manga, ananás. Vem de fora."

Compra carne no talho, peixe na peixaria. Não abusa nas quantidades - longe disso: "Com meio quilo de carne faço um arroz com legumes e carne para seis pessoas. As pessoas têm a mania de comer bifes enormes. Um gasto brutal, um desperdício! É caro e não é saudável".

As verduras comandam a sua inspiração culinária. E as verduras não têm ossos nem espinhas. Maria aproveita-as em quase toda a sua extensão - até os talos das couves, dos brócolos e de outros alimentos são cozinhados, ralados, servidos em sopas. "Nada se perde, fica tudo ali naquela água!" Tendem a ser de cozedura rápida. E deixam a louça fácil de lavar.

Há amigas que se espantam com este seu gosto pelo comércio tradicional. Maria encolhe os ombros. Não aprecia hipermercados. Quando entra num, até fica meia zonza. Tudo lhe parece excessivo. Prateleiras e prateleiras de bolachas e chocolates. "Para quê?", questiona-se. Só compra bolachas redondas, secas, sem creme. Se os filhos querem adoçá-las, adoçam-nas com marmelada, doce, geleia. Às vezes, metem-nas dentro do pão - fazem sandes de bolacha Maria.

No que toca a bolachas é igualzinha a Graça Antunes. Mesmo que quisesse, a idosa não podia mastigá--las - é diabética. Só que Graça, como Fernanda, corre os supermercados todos em busca do mais barato. Vive sozinha, mas não se fica por aqui. Faz sopa para quarto dias. Vai tirando do frigorífico e vai aquecendo, conforme vai precisando. "Gasto menos gás!". E não dispensa a iogurteira. Faz os seus próprios iogurtes. "Não têm corantes, nem conservantes. Como dois a três por dia. Com 1,50 euros faço iogurtes para uma semana!"