3.5.09

Grande distribuição tem sido a mais beneficiada pela crise

Raquel Almeida Correia, in Jornal Público

As soluções encontradas pelos portugueses para enfrentar a crise, como o aumento das refeições dentro de casa, têm impactos directos sobre a economia. Se os hipermercados vendem mais, há restaurantes a perder dinheiro com a ausência de clientes. Se os consumidores preferem a grande distribuição, as peixarias e as mercearias vêem-se obrigadas a fechar as portas. E se apetência pela marca própria continua a aumentar, são os produtores industriais que sofrem as maiores consequências.

A Sonae Distribuição, dona dos hipermercados Modelo e Continente, referiu que, apesar da redução do rendimento disponível, "o retalho alimentar apresenta um comportamento acima do previsto para o período", ao contrário do que acontece com as vendas do retalho não alimentar (têxteis, electrodomésticos, etc.), que "estão a ser mais pressionadas".

O mesmo se passa com o grupo francês Os Mosqueteiros, que detém os espaços Intermarché e Ecomarché. "No primeiro trimestre deste ano, verificou-se um crescimento constante e sustentado", afirmou ao PÚBLICO. Acrescentou ainda que o segredo para esse desempenho positivo está na "política activa de preços baixos nos bens essenciais", para responder "a uma maior procura por artigos mais económicos".
É esta adaptação ao que os portugueses querem, em momentos de crise económica, que permite às cadeias de grande distribuição aumentar o negócio. Nestas alturas, a filosofia de fazer lucro com volumes (vender o máximo de produtos possível) ganha ainda mais força, em detrimento de uma estratégia de margens de lucro. Foi por isso que muitas empresas lançaram, desde o final do ano passado, fortes promoções para bens essenciais e apostaram na marca própria, alargando o número de categorias em que estava presente.

A propensão dos portugueses para fazer refeições em casa e o olhar atento da grande distribuição para este fenómeno têm consequências negativas para a restauração. Contactada pelo PÚBLICO, a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal não se mostrou disponível para falar sobre o assunto, mas sabe-se que os seus associados estão a sofrer com a instabilidade económica. Aliás, ainda em Outubro de 2008 o presidente do organismo, Mário Pereira Gonçalves, fala de uma quebra de 30 por cento nas receitas dos restaurantes.

Pedro Queiroz, director-geral da Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares, confirma este abrandamento. "Nota-se um decréscimo grande no negócio da restauração, sobretudo na de cariz mais tradicional", disse, explicando que "as cadeias de fast-food estão um pouco mais protegidas desta conjuntura". Esta quebra acaba por se alastrar também aos produtores cuja actividade depende mais do que se vende nestes espaços, como é o caso dos cafés e das restantes bebidas (cerveja, vinhos e refrigerantes).

Tradicionais em queda

Porém, as queixas dos industriais não se ficam por aqui. É que, além dos restaurantes, também os canais mais tradicionais, como as peixarias, os talhos e as mercearias, estão a perder terreno para a grande distribuição. De acordo com o TNS Worldpanel, a sua quota de mercado no primeiro trimestre deste ano situou-se nos 11,4 por cento, contra os 13 por cento registados em igual período de 2008. Já os supermercados e os hipermercados passaram a dominar 76,6 por cento do mercado, em vez dos 74,7 por cento do ano passado.

De acordo com o barómetro da empresa de estudos de mercado, as lojas tradicionais sofreram um decréscimo de oito por cento nas vendas (em valor) e de dez por cento em número de visitas. E mesmo os consumidores que preferiram este canal diminuíram os seus gastos médios por compra em 1,8 por cento.

Além de verem encurtar as suas vendas nestes espaços e nos restaurantes, os produtores apontam ainda o dedo à distribuição no que diz respeito à expansão da marca própria. "Os artigos de marca estão a ser muito prejudicados pela investida da grande distribuição, que acaba por tirar mais partido da crise", sublinhou Domingos dos Santos, da Federação Nacional das Organizações de Produtores de Frutas e Hortícolas.

De facto, os produtos comercializados pelos supermercados e hipermercados têm vindo a ocupar cada vez mais espaço no mercado nacional. Se no primeiro trimestre de 2006 valiam 16,1 por cento, entre Janeiro e Março deste ano subiram para 28,8 por cento.
O aumento da propensão para a poupança traz, por isso, mais vantagens a alguns sectores do que a outros, aumentando o hiato entre os que estão a "ganhar" e a sofrer com a instabilidade económica. E, a julgar pelas baixas expectativas nacionais, esta tendência vai manter-se por mais alguns meses.