Inês Andrade, in Jornal Público
Centenas de pessoas de todo o mundo vão em "peregrinação" à comunidade do Monte
dos Carvalhos, no Fundão, em comunhão com a natureza e com uma visão religiosa renovada
"Mount of Oaks" ou Monte dos Carvalhos, lê-se a encarnado nas placas de um caminho isolado da serra da Gardunha, Póvoa da Atalaia, no Fundão. O local é deserto e desorganizado, com o cheiro quente das maias. Os cães ladram histéricos ao ver intrusos, mas é fácil perceber que são tão amigáveis como os seus nomes: Tom Sawyer, Huckleberry Finn e Violeta. No final do trilho está uma comunidade que nasceu duma "conversa com Deus". Definem-se como monásticos e têm um grande cariz de intervenção social, sobretudo na aldeia da Póvoa da Atalaia. Aquecem a água do banho com lenha, cozinham bolos com o reflexo do sol, praticam uma agricultura de subsistência, mas, curiosamente, não dispensam o telemóvel e escrevem com regularidade num blogue (mount-of-oaks.blogspot.com). O telemóvel serve "para sabermos quando os nossos amigos no estrangeiro chegam", explicam. O blogue acaba por ser um bom instrumento de divulgação da comunidade.
A comunidade é, neste momento, composta por dez pessoas, sete das quais formam uma família escocesa que parte dentro de pouco tempo para Sintra. No Verão chegam a ser 40 pessoas no Monte, mas a média são 12. Quem fica é a Bárbara, mentora da comunidade. O seu protagonismo não resulta de "uma grande ideia" sua, mas de "algo que Deus está a colocar no coração de pessoas do mundo inteiro".
A um canto, Antonios, holandês - há um ano na comunidade - e o seu sobrinho, Daniel, cortam de modo grosseiro os legumes para o almoço. O cheiro natural dos ingredientes sente-se poucos minutos depois; é fácil identificar o que vai compor o menu. O toque do sino alerta a comunidade inteira de que o almoço está na mesa. Só no fim da refeição se nota que a mesa é uma porta de madeira maciça, provavelmente reutilizada dos vários objectos que eles vão encontrando e que acumulam na chamada Ilha do Tesouro. O panelão de ferro preto cheio de massa com legumes é atirado para a mesa e cada um serve-se, assim como cada um lava o seu prato.
Durante dois anos e meio de existência já passaram pela serra centenas de pessoas de várias nacionalidades. Por estes dias está lá a família Jones, da Escócia, "um exemplo de que é possível viver na estrada com filhos, e logo cinco". Sam é o filho mais velho e lê a Divina Comédia de Dante durante o almoço. O pai, Andrew, foi padre durante nove anos nos EUA, mas é natural da antípoda Nova Zelândia, "onde há mais ovelhas que pessoas", brinca a sua mulher. Andrew dedica-se à Church Mission Society, uma organização missionária católica em Inglaterra. Veio ao Monte dos Carvalhos quase em trabalho, "para poder exportar o modelo desta comunidade auto-suficiente" para lá. "Algo de bom vai acontecer em Portugal", revela enquanto ferve água para o café: "Acho que há um bom contexto aqui, há unidade, respeito mútuo, expectativas e novas expressões." O que o leva a profetizar um update da religião.
Sabe que viajou durante 20 anos, mas não se recorda que idade tem, precisa de fazer as contas desde 1963 para ter a certeza. Hannah e Tâmara são as mais novas, sardentas, com olhos muito grandes, sempre atentas a tudo e a correrem de um lado para o outro. Têm uma lista do que querem fazer antes de ir embora: montar o Nono (o burro de estimação), andar de barco insuflável para depois poderem mergulhar no lago, observar as tartarugas e finalmente jogar Uno, mas Irish Uno, "que é mesmo complicado", dizem orgulhosas.
Daniel é holandês - apesar de ter nascido e vivido até aos 18 anos no Zimbabwe -, apanhou moribundos nas ruas de Narila (com o seu tio Antonios), perto de Nova Deli, na Índia, e tem estado muito tempo no Monte dos Carvalhos. "A terra é muito barata em Portugal" e por isso vai andar pela Europa a apanhar fruta para poder regressar e comprar um terreno recolhido onde possa "viver com serenidade".
Economia da dádiva
A oportunidade de criarem uma comunidade surgiu com um casal belga, que comprou o terreno há cerca de três anos. Desistiram do projecto por medo de não sobreviverem e regressaram ao negócio que tinham abandonado na Bélgica. Bárbara foi confrontada com o desafio de manter o projecto, conversou com Deus, com quem tinha criado uma "ligação" há 12 anos em Angola, antes de tomar uma decisão. Deu então alguns "passos de fé" que lhe permitiram reunir 30.000 euros em cinco semanas. Angariou o dinheiro enviando e-mails para amigos espalhados no mundo inteiro e por isso é que a "terra é tão especial e é de todos". Enquanto conta situações em que se sentiu a falar com Deus, ri com inocência e é frequentemente interrompida pelo sinal de bateria fraca do telemóvel.
A procura deste estilo de vida franciscano está intimamente relacionada com a alteração do paradigma económico. Andrew encontra uma solução na "gifty economy" (economia da dádiva), enquanto discursa sobre a exaustão das populações do Norte da Europa em relação ao materialismo. Cada vez mais pessoas encontram em Portugal um país que ainda não está tão corrompido, e onde podem formar comunidades que se mantêm pela caridade das vilas vizinhas. É o que se passa aqui. Bárbara organiza eventos sociais e artísticos na aldeia e todos a adoram e oferecem dinheiro ou alimentos. Aos fins-de-semana preparam ranchos no ringue da aldeia, com artes circenses, que aliciam as tribos assíduas do festival anual Boom, na Idanha-a-Nova.
Promovem workshops, uns sobre construção de casa com madeira, outros de permacultura (sistema holístico de planificação de habitats humanos em harmonia com a natureza); vão às escolas incentivar as crianças a debaterem o consumismo e a implantação dum comércio justo, a limparem a cidade e recolherem lixo das matas.
Em Agosto há a semana da oração. Bárbara acha que "Deus não escolhe religiões, nem templos, dias, ou cerimónias, a oração altera de pessoa para pessoa" e ela preocupa-se em providenciar velas e incenso para quem reza em silêncio, ou, então, rádio, pincéis e papel de cenário para quem precisa de se exprimir plasticamente. O presidente da Junta de Freguesia da Póvoa da Atalaia pediu-lhe "que mostrasse à aldeia o que é viver em comunidade". "Porque eles se esqueceram."
40
No Verão chegam a ser 40 pessoas no Monte da Atalaia, na serra da Gardunha. Mas a média anual é de 12 pessoas