1.5.09

Número de trabalhadores em lay-off disparou 20 vezes no espaço de um ano

Ana Rute Silva, in Jornal Público

Reduções do horário de trabalho e suspensões dos contratos são usadas como resposta à crise de vendas. Mas os especialistas dizem que pode não chegar


Maria (nome fictício) perdeu as forças ao saber que até Outubro só vai trabalhar nos últimos cinco dias úteis de cada mês, na sequência de um processo de lay-off (redução temporária do período de trabalho ou suspensão de contratos de trabalho) que afecta, a partir de hoje, os 189 trabalhadores da metalúrgica Oliva, de São João da Madeira.

"Estou doente e triste. Não acredito que esta paragem sirva para resolver o problema da quebra de encomendas", vai dizendo, quase em surdina. A trabalhadora, que passou os últimos 39 anos na empresa, repete que a crise "é só para os pequeninos". Porque não vê mais ninguém a fazer sacrifícios. "Tenho 54 anos e ninguém me vai dar emprego", vaticina.

Maio vai ser cinzento para milhares de trabalhadores. A Peugeot Citroën (PSA) de Magualde também entra em paragem este mês, com mais de 800 dos 900 empregados a ficarem em casa um dia por semana. O mesmo se passará na Qimonda, onde 800 trabalhadores terão contratos suspensos durante seis meses. Da Leoni à Yazaki Saltano, da Faurecia à Visteon, os casos já em curso sucedem-se.

Estado já gastou 1,9 milhões

O número de processos de lay-offs triplicou entre Janeiro e finais de Abril (de 25 para 76) e, até agora, a Segurança Social gastou mais de 1,9 milhões de euros com as compensações salariais dos trabalhadores afectados (o pagamento da remuneração é repartido entre a entidade patronal, 30 por cento, e o Estado, 70 por cento). O número total de processos disparara de 24, em 2008, para 192, em 2009, nos primeiros quatro meses. Segundo os dados disponíveis do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, entre Janeiro e Abril do ano passado, 548 trabalhadores estiveram envolvidos em lay-offs. Este ano, o número atingiu os 10.539 até 24 de Abril.

"Nenhum empresário gosta de tomar tal medida. E só a toma em última instância", diz Jorge Rocha de Matos, presidente da Associação Industrial Portuguesa - Confederação Empresarial (AIP-CE). Sidónio Lamoso, director de recursos humanos da Rohde, multinacional de calçado que foi pioneira nos processos de lay-off em Portugal, diz que uma paragem de trabalho nunca se aceita "de ânimo leve". "Porque nunca se sabe o que virá depois", sustenta. E vê poucas vantagens: os trabalhadores vão para casa e a empresa não produz.

O economista João César das Neves lembra que esta é uma "reacção e não uma medida" para resolver os problemas que a crise trouxe. E Arménio Carlos, da CGTP, apesar de admitir que o lay-off pode ser uma oportunidade para evitar despedimentos, diz que está a ser utilizado pelas empresas de forma "abusiva". A Autoridade para as Condições de Trabalho já detectou 116 infracções em empresas, que incluem a suspensão de contratos de trabalho sem cumprimento dos requisitos legais.

Na Cifial, a vice-presidente, Luísa Marques, aguarda pelo apoio financeiro do Programa Qualificação e Emprego para colocar 190 trabalhadores em formação profissional quatro tardes por semana. Despedir não está nos planos, até porque a empresa de louça sanitária, torneiras e ferragens (propriedade de Ludgero Marques, ex-presidente da Associação Empresarial de Portugal) está numa fase de "pouca liquidez". "Era muito difícil conseguir acordo com rescisões", esclarece a empresária, que espera, em três meses, contornar as quebras de 30 por cento na produção.

Cortar salários, medida sugerida recentemente por economistas como Vítor Bento e empresários como Belmiro de Azevedo, está na lista das possíveis soluções. "Porque é que só uns é que têm de fazer sacrifícios? A ser adoptada na Cifial, seria uma medida transversal e incluiria todos, inclusive eu", garante.

Os 65 trabalhadores da imobiliária Cushman & Wakefield aceitaram uma redução do horário de trabalho de 40 para 37 horas semanais e o consequente corte de salários na ordem dos 7,5 por cento, até final do ano. A alternativa seria despedimentos. Também a Jerónimo Martins (dona do Pingo Doce e dos hipermercados Feira Nova) já avisou que só vai dispensar trabalhadores em último recurso e prefere, primeiro, cortar nos salários dos quadros e, depois, dos trabalhadores.

Contudo, a redução de ordenados não reúne consenso entre os economistas. José Reis, professor da Universidade de Coimbra, diz que esta é uma teoria "altamente perigosa" e lembra que significa não só a perda de poder de compra dos trabalhadores mas também, e a longo prazo, uma "redução da capacidade de reanimar a economia". Já Rocha de Matos diz que pode estar em causa a sobrevivência da empresa e, sendo uma solução temporária, é a "atitude mais solidária". Entre todas as medidas que as empresas estão a adoptar para travar a quebra de encomendas, há uma pouco popular: a redução de lucros. Luísa Marques diz que a questão não se coloca porque, no caso da Cifial, não há neste momento lucros para distribuir. "É razoável que essa contenção seja assumida", contrapõe José Reis, acrescentando que é preciso reduzir a pressão sobre os salários dos trabalhadores.