in Jornal Público
No espaço de dez anos, a incidência de trabalhadores por conta de outrem com vínculos precários passou de 13 por cento da população empregada para os actuais 20,1 por cento. Os números foram apurados pelo Instituto Nacional de Estatística e referem-se ao último trimestre de 2008. Englobam todos os trabalhadores que têm contratos de trabalho a termo ou outro tipo de contratos de prestação de serviços, como os recibos verdes.
A frieza destes números, que não colocam Portugal muito desfasado da Europa - onde o recurso a este tipo de contratos tem registado um crescimento acentuado - não permite perceber, no entanto, quanta desta precariedade não é fraudulenta e que impacto terá a actual crise no recrudescimento destas estatísticas.
A Organização Mundial do Trabalho não tem dúvidas de que a crise económica e financeira que se instalou no mundo vai reforçar as situações contratuais de precariedade. António Dornelas, investigador do ISCTE e coordenador do Livro Verde sobre as Relações Laborais, disse ao PÚBLICO não ser tão assertivo neste pensamento, por acreditar que o actual Código de Trabalho (CT) e o Código Contributivo da Segurança Social "são dois instrumentos que, articulados, terão como efeito esperado uma redução da precariedade".
"As minhas preocupações não vão para o profissional liberal que passa recibos de cinco mil euros. Mas vão para a operadora de caixa, com horários, que faz trabalho subordinado e é remunerada como trabalhadora independente e não tem protecção social. É a detecção da fraude que deve preocupar", admite Dornelas, relembrando que o CT estabeleceu medidas que vão permitir combater a fraude e a informalidade.
São essas, também, as preocupações do inspector-geral do Trabalho, Paulo Morgado Carvalho, que assume ter como referencial o combate ao trabalho não declarado e ao vínculo irregular. Durante o ano de 2008, a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) fez quase 25 mil visitas, a 19.400 empresas e contribuiu para a regularizaçao dos vínculos de 5523 trabalhadores. Segundo o inspector-geral, o novo Código do Trabalho trouxe "armas importantes à detecção de irregularidades", mas entrou em vigor numa altura de profunda crise económica, com muitas empresas e empresários a aproveitarem-se da situação de crise para encobrirem infracções laborais.
Segundo Paulo Morgado de Carvalho, e desde Outubro de 2008, a ACT tem vindo a acompanhar o desenvolvimento da situação de 714 empresas, que, por causa de dificuldades económicas e financeiras, anunciaram encerramentos. Esse acompanhamento permitiu à ACT detectar várias infracções laborais, tendo aberto procedimentos criminais em 28 empresas, 23 deles só este ano. "A actual situação de crise trará, naturalmente, uma desaceleração na empregabilidade, e maiores dificuldades em arranjar contratos sem termos", antecipou o inspector-geral.
797
mil é o número de indivíduos que, segundo o INE, trabalhavam por conta de outrem com vínculo precário, no quarto trimestre de 2008