Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público
Executivo não suscitava grandes expectativas pela falta de entusiasmo europeu, mas os resultados ultrapassam os piores prognósticos
Não é inédito, mas continua a ser raro que um Governo europeu mude de mãos em pleno exercício da presidência rotativa da União Europeia, como acontecerá hoje com a equipa de Mirek Topolanek, primeiro-ministro conservador checo.
Derrotado no fim de Março por uma moção de censura da oposição social-democrata, Topolanek, engenheiro "eurodesconfiado" de 53 anos, cede hoje o cargo a Jan Fischer, chefe do serviço nacional de estatísticas, sem experiência política, que ficará encarregue de dirigir o país até às eleições antecipadas de Outubro, e levar a presidência checa da UE até ao seu termo, a 30 de Junho.
O principal receio que a mudança suscita nas outras capitais é que Vaclav Klaus, o ultra-eurocéptico Presidente, aproveite a inexperiência da nova equipa para interferir na condução da presidência, apesar do seu papel essencialmente protocolar. Klaus já exigiu representar a UE na cimeira com a Rússia, no fim do mês. O que levanta uma interrogação sobre quem presidirá à cimeira trimestral de líderes, a 18 e 19 de Junho, que terá, nomeadamente, a missão de escolher o próximo presidente da Comissão Europeia, quase seguramente Durão Barroso.
Se, no início da presidência, o Governo checo já não suscitava grandes expectativas devido sobretudo à sua falta de entusiasmo europeu, os resultados ultrapassam os piores prognósticos: cimeiras mal preparadas, cacofonia europeia na conferência da ONU sobre o racismo (Durban II), críticas aos parceiros. "Arrogância, incompetência, obstinação, má-fé: em mais de vinte anos de carreira, nunca vi nada igual", queixa-se um alto funcionário europeu.
Desdém pelas regras
Grande parte das críticas ao Governo cessante prendem-se com o seu desdém pelas regras não escritas da vida europeia, como quando lançou uma polémica estridente através da imprensa com o Presidente francês, Nicolas Sarkozy, sobre o proteccionismo, contrariou a posição dos Vinte e Sete de exigência de uma solução de dois Estados em Israel, ou multiplicou as críticas aos planos nacionais contra a recessão, acusados de agravar os défices orçamentais.
Ultraliberal e sem papas na língua, o primeiro-ministro manteve-se fiel ao seu estilo provocador até à última: ontem mesmo, durante a minicimeira europeia sobre o emprego, criticou a opção de vários países de incitar as empresas a reduzir temporariamente o tempo de trabalho, com apoios públicos, para evitar despedimentos, considerando que são soluções "estatais paternalistas". Que provocam, em sua opinião, "despesas governamentais descontroladas", uma verdadeira "via para o inferno".
A expressão já tinha sido usada para criticar o plano americano contra a recessão, dias antes da primeira visita de Barack Obama à Europa. Provocação máxima: "quem procura trabalho, encontra", afirmou Topolanek ontem.
Para os outros países, nem tudo é negativo: o Governo cessante conseguiu, in extremis, assegurar a ratificação do Tratado de Lisboa, cumprindo, afinal de contas, a grande prioridade da UE.
"A verdade é que gostei muito do papel de presidente do Conselho Europeu, e creio ter-me saído bem face ao que alguns esperavam", afirmou Topolanek esta semana no site da presidência. Não é seguro que os outros países partilhem a sua opinião.