Por Cristina Ferreira, in Jornal Público
Com a crise, Portugal diminui a sua aposta no Brasil, enquanto o Brasil começa agora a olhar para Portugal como destino de investimento
Em viagem pelo mundo, Lula da Silva chega depois de amanhã a Lisboa para uma curta visita a Cavaco Silva e a José Sócrates (chega às 16h15 e parte depois de jantar), para participar na X Cimeira Luso-Brasileira. Lado a lado vão estar dois países em situação desigual, quer em dimensão, quer no ciclo económico que atravessam, mas também na aposta que cada um faz no outro - os investimentos de Portugal no Brasil em 2009 ascenderam a 300 milhões de euros, enquanto os do Brasil em Portugal, nesse mesmo ano, ficaram pelos 250 milhões, cinco vezes mais do que em 2008.
É difícil encontrar um Presidente da República que seja mais simpático e menos protocolar do que Lula da Silva. Numa sondagem efectuada um ano antes da sua primeira eleição, em Setembro de 2001, foi considerado o pior candidato para representar o Brasil no exterior, com apenas 37 por cento dos inquiridos a acreditarem que cumpriria bem a função. Em 2002, acabou por ser nomeado com 46,4 por cento dos votos. E ainda há poucos dias, a Time incluiu-o na lista das 100 personalidades mais influentes.
Com o seu carisma, Lula deu visibilidade às posições do seu país, mas a sua nomeação pela revista norte-americana é um sinal dos tempos: o Brasil já não é olhado apenas pelo seu grande potencial e pela sua incapacidade de o realizar. É já a oitava maior economia e um parceiro dos equilíbrios mundiais.
Sentado na sua cadeira de governador do Banco Central do Brasil, Henrique Meirelles assistiu recentemente ao anúncio das projecções de crescimento em 2010, ano em que o produto se expandirá 5,5 por cento (ainda assim, menos do que a China e a Índia). Na última década, a classe média incorporou cerca de 30 milhões de brasileiros, o que veio reforçar a economia e dar gás ao consumo. A par das desigualdades sociais, da falta de segurança e da pobreza que ainda persistem, o Brasil surge bem colocado para enfrentar crises externas.
Pelo contrário, Portugal vive hoje em estado de agonia, com um défice de 9,2 por cento, excesso de endividamento, desemprego a tocar os 10 por cento. Um cenário que obrigou o Governo, no quadro da UE, a divulgar um pacote agressivo de medidas para equilibrar as contas públicas.
É neste contexto de países desiguais, quer na proporção da sua dimensão, quer nos ciclos económicos que atravessam, que Lula e Sócrates se vão encontrar. Mas o ambiente será de cordialidade. Uma coisa é a convivência política e a proximidade cultural e histórica, outra a económica. Ao Brasil, Portugal de pouco serve. Porém, a importância do Brasil é óbvia para Portugal, mais que não seja pelo valor da língua comum.
"Boa onda" por aproveitar
Em cima da mesa de Lula e de Sócrates vão estar a cooperação bilateral e trilateral com os países africanos de expressão portuguesa. Outros dossiers poderão ser abordados, como a Cimpor, TAP, Galp, PT, indústria aeronáutica ou os portos nacionais que o Governo quer revitalizar.
É expectável que Lula da Silva desafie os empresários portugueses a aproveitarem as oportunidades abertas pela "Copa do Mundo" de 2014 e pelos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro. Eventos que funcionarão como catalisadores do crescimento económico. A "Copa do Mundo", até 2019, deverá ter um impacto de 81 mil milhões de euros no país.
Num país que vive acima das suas posses e à custa da poupança externa, Sócrates deverá procurar "comover" Lula para a necessidade de Portugal captar investimento brasileiro e aumentar as exportações. O que coloca a bola do lado de Portugal, pois estão em causa decisões do sector privado brasileiro. Por outro lado, o primeiro-ministro quererá sensibilizar Lula para aligeirar os entraves à entrada de produtos estrangeiros no Brasil.
Os dados revelam que não estamos a aproveitar a "boa onda" do Brasil para diversificar o destino das exportações concentradas em mercados europeus em crise, como a Espanha e a Alemanha. As estatísticas mostram que a balança comercial entre Portugal e o Brasil é desequilibrada, com um défice desfavorável para o mercado nacional. Isto, apesar de os negócios bilaterais se terem intensificado, quase triplicando entre 2004 e 2008, quando dispararam 116 por cento. Em todo o caso, hoje, as exportações de Portugal para o Brasil são inferiores, em 400 milhões de euros, às vendas que Portugal faz para Angola (ver caixa). Esta situação deverá levar Sócrates a acenar aos empresários brasileiros (nomeadamente os de pequena e média dimensão) com as potencialidades de Portugal enquanto importador de produtos, com que já está familiarizado, mas sobretudo enquanto mercado exportador de bens e de serviços.
Onze mil milhões investidos
Uma nota curiosa: Portugal é já o principal comprador da Mtiller (líder no Brasil), ao adquirir anualmente 3,3 milhões de litros de cachaça (Cachaça 51), um terço das suas exportações.
Hoje os grandes players mundiais convergem para a capital económica brasileira. Mas São Paulo já está na rota dos grupos nacionais há vários anos. Desde 2001/2002, Portugal investiu no Brasil mais de 11 mil milhões de euros, quase sete por cento do PIB nacional.
Pelo contrário a presença do Brasil em Portugal continua a ter uma expressão reduzida e representa apenas 0,3 por cento do investimento estrangeiro. Uma situação que pode estar a mudar.
Marcelo Baumbach, o porta-voz de Brasília, já fez saber que a X Cimeira Luso-brasileira que se realiza no mesmo dia em que Lula e Sócrates se encontram, vai decorrer num ambiente "de novas oportunidades criadas pelo fluxo crescente de investimentos brasileiros em Portugal".
Por muito boas que sejam as relações entre os dois Estados, a decisão de olhar para Portugal para desenvolver actividade cabe ao sector privado, o que coloca pressão sobre as autoridades nacionais para que criem condições de atracção do investimento.
Os empresários que se têm pronunciado sobre o tema reclamam maior flexibilização laboral e a reforma da justiça (maior celeridade nos procedimentos). Os analistas internacionais que seguem o Brasil lembram que os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), jogam com regras que não são as europeias: trabalham com custos laborais baixos, apostam na educação, no comércio e nos sistemas de informação e especializam-se em sectores de actividade (que, no caso do Brasil, tende a ser a agricultura).