11.5.10

Quando o vídeo é uma arma contra a pobreza

Alfredo Maia, in Jornal de Notícias

Parece que o resultado surpreende. "Cinema de Bairro" não é um filme sobre um sítio onde se exibem fitas para um micro-universo - uma vila, um bairro... É um documentário que mostra bairros sociais vistos pelos seus jovens habitantes, convocando olhares diferentes.

"Ainda não conheço o resultado final. Vi algumas imagens. O que transparece é a solidarieadade entre as pessoas e o esforço real de muita gente que trabalha em dois empregos, com horários muito intensos, que são a causa do abandono a que estão entregues muitas crianças e jovens. Acontece sobretudo com as mulheres. Foi uma coisa que me surpreendeu, pois não tinha essa percepção dos problemas das mulheres". A síntese é de Cristina Baptista, vogal do Conselho de Administração da Fundação Inatel, ouvida pelo JN a propósito da estreia, amanhã, no Teatro da Trindade, em Lisboa, do documentário "Cinema de Bairro".

Produto da soma de cinco curtas-metragens filmadas por 25 adolescentes e jovens (13 aos 22 anos) dos bairros sociais de Matadouços (Guimarães), da Rosa (Coimbra), Casal da Mira (Amadora), I e II (Beja) da Rua da Armona e das Panteras Cor-de-Rosa (Olhão), sob a formação preliminar e a coordenação de realização dos cineastas João Pinto Nogueira, Leonor Areal, Pedro Sena Nunes, Rui Simões e Marta Pessoa, "Cinema de Bairro" é a designação de um projecto da Fundação Inatel como contribuição para dar visibilidade ao probema da pobreza e da exclusão social.

Além de ter proporcionado aos jovens daqueles bairros um primeiro contacto com o audiovisual, explica Cristina Baptista, o projecto, que foi apoiado pelo Instituto de Segurança Social (selecção de bairros representativos das várias realidades no país e ligação com associações locais) e de patrocinadores empresariais, visou dar-lhes também uma oportunidade para manifestarem ao mundo exterior "a percepção que os jovens têm da sua realidade".

Com longa tradição de produção de cinema documental, nomeadamente na área da etnografia e da "cultura amadora", o Inatel não intervém na área dos bairros sociais, nem era uma realidade que conhecesse. Mas o projecto da sua Direcção Cultural, propondo-se proporcionar ferramentas culturais a comunidades excluídas - "no Casal da Mira, não há qualquer equipamento e lazer", observa Cristina Baptista -, acaba por "chamar a atenção para muitas coisas boas nos bairros, sobre os quais se dirigem as nossas atenções, geralmente por razões más".

A responsável regressa ao bairro da Amadora, onde funciona a Orquestra "Geração Dolce Vita", projecto da Fundação Gulbenkian patrocinado por um a rede de centros comerciais, para apontar um exemplo de "mensagem aos jovens através da música". E ruma mais a Norte, para evocar o exemplo de um rapaz, que renuncia (ou é privado de...) às diversões dos da sua idade para tratar sozinho dos irmãos, igualmente retratado no filme.

Feito o filme, o que fica? Da parte do Inatel, "o projecto tinha um princípio, um meio e um fim" e restar-lhe-ia seguir agora as restantes exibições - depois da estreia e amanhã, nas cinco localidades, nas iniciativas dos patrocinadores e talvez na RTP. Mas acabou por ir um pouco mais longe: a fundação vai oferecer um equipamento de filmagem a cada uma das cinco associações envolvidas nos bairros. Onde o vídeo poderá ser uma arma contra a pobreza.