2.5.10

Remessas de Angola para Portugal aumentaram cinco vezes desde 2004

Por Ana Cristina Pereira, in Jornal Público

As estimativas apontam para 74 mil portugueses a viver na ex-colónia. Vão pelos rendimentos, pelo desafio profissional ou pela saudade do que nunca viveram


Maria Ferreira está a refazer o guarda-roupa - e a enchê-lo de vestes leves, claras. Daqui a uns dias, engrossa o número de portugueses que arregaçam as mangas em Angola. São cada vez mais. Embalados por um fluxo de vaivém - até por ser difícil obter um visto de trabalho.

Ninguém sabe ao certo quantos portugueses residem em Angola. Só daqui a quatro anos, quando o Estado fizer o recenseamento da população - os últimos censos datam de 1970. Diversos indicadores, porém, atestam uma espécie de inversão de papéis desde que o contexto político angolano se alterou (com a morte de Jonas Savimbi, o líder da UNITA, em Fevereiro de 2002, veio a paz, a reconstrução, o desenvolvimento económico).

As remessas enviadas de Angola para Portugal quintuplicaram entre 2004 e 2009, enquanto as remessas enviadas de Portugal para Angola parecem ter estabilizado (ver quadro). O saldo era de 9,5 milhões e é agora de 91,5 milhões. Um reflexo do movimento migratório, claro. Pelas contas do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em 2008 havia 27.619 angolanos em Portugal, mais dois mil do que em 2003. Pelas contas da Direcção-Geral dos Assuntos Consulares, em 2009 havia 74 mil portugueses em Angola, mais 53 mil do que em 2003.

Como em qualquer parte do mundo, muitos portugueses não se registam nos serviços consulares e muitos dos que se registam não vão lá avisar quando fazem as malas e tornam a casa. Mas o número de vistos emitidos pelo Consulado de Angola em Portugal fortalece esta ideia de presença a alargar: saltou de 23.250 em 2008 para 46.486 em 2009 (aqui cabem vistos de tipo ordinário, de curta duração, privilegiado, trabalho, trabalho para a reconstrução nacional, permanência e outros).

Maria Ferreira viajará com um visto ordinário - próprio para prospecção de mercado. Quer ver se se adapta à empresa portuguesa, se a empresa portuguesa se adapta a si. Adivinha choque social, cultural, mas também aventura, deleite. Vai pelo desafio profissional: irá coordenar um call center na área da aviação - "Se tudo correr bem, daqui a três meses estarei cá a pedir visto de trabalho."

Pode não ser tão fácil como aquela licenciada em Turismo de 30 anos agora imagina. Castro Soares, por exemplo, anda neste vaivém há um ano e meio. Saía com o visto ordinário renovável até três meses. Da última vez, o consultor para a área da televisão inquietou-se: viu protelada até à hora do embarque a devolução do passaporte, que entregara para a prorrogação do visto. "Estou cansado dessa conversa. Já falei com a empresa. Agora, fico um mês lá, um mês cá."

Não foi possível obter dados sobre portugueses forçados a abandonar o país - o Consulado de Angola em Lisboa não quis prestar declarações e os serviços consulares de Portugal em Angola dizem não ter nota desses casos. Mas saltam de boca em boca histórias de pessoas detectadas a trabalhar ilegalmente.

"As autoridades estão a ser muito rígidas com a emissão de vistos de trabalho e muitos aventuram-se com vistos de turista, enquanto o visto de trabalho não chega", diz o sociólogo Eduardo Vítor Rodrigues. "Estamos a falar de um país com um modelo que passa muito pela economia informal, o que, na verdade, é fraude. O visto de trabalho só se consegue depois de algum tempo e numa lógica de apadrinhamento - seja real ou falso." O suborno, em Angola, chama-se "gasosa".

A par da mão-de-obra qualificada, avançam para Angola investidores que tentam expandir ou criar as suas empresas. O sector da construção civil e das obras públicas é o maior empregador, graças à posição que as majors portuguesas conquistaram no mercado angolano. Os "tugas" sobressaem também no turismo, na informática, no comércio.

Nuno Carvalhal foi um dos pioneiros - embarcou em 1999, pouco depois de acabar o curso de Engenharia Civil, estava o país ainda em guerra civil. Ia por dois anos, ficou quatro. "Tive um princípio de febre tifóide. Depois, nada. Parece que o corpo se adapta." Porque não ficou mais tempo? "Sempre encarei aquela situação como uma experiência de tempo limitado."

Problemas de adaptação

É quase sempre assim. "O projecto de ida é de curtíssima duração", observa Eduardo Vítor Rodrigues. Por vezes, prolonga-se. Até porque, diz quem por lá trabalha, as empresas gostam de garantir continuidade e algumas pressionam os trabalhadores a ficar.

"Com a crise, as estadias vão prolongar-se mais do que o previsto", arrisca Eduardo Vítor Rodrigues. As opções por cá reduziram-se. O mercado por lá já se readaptou. Os salários tornam-se menos chorudos. Ainda assim, parecem compensar: Maria Ferreira vai com um contrato de um ano, a ganhar bem mais do dobro do que aqui, com casa, transporte casa-trabalho, seguro de saúde, duas viagens Angola-Portugal por ano.

Pode ser duro. Que o diga Carvalhal: "É um país do terceiro mundo. Muitas vezes, não funciona isto, não funciona aquilo, não há isto, não há aquilo. E há a distância, a saudade. Tive um colega que esteve lá seis meses e que passou o tempo livre todo em casa, ligado à Internet, a falar com a namorada. Mas também há quem arranje família e já não volte."

"Há, em Portugal, uma idealização de África; um certo saudosismo, mesmo em pessoas que nunca estiveram lá", nota a investigadora Cláudia Castelo. Mas nem só isso os empurra: outros factores se levantam, como o dinheiro ou o gosto pelo desafio. Castro Soares, por exemplo, já vivera dois anos na Alemanha e um na Macedónia: "Ali, em Luanda, sou capaz de fazer um programa com metade das pessoas - um não veio, outro está a comer, outro foi à casa de banho. Trabalha-se com a corda da garganta."

Ali, não basta um canudo, também é preciso talento para improvisar. "Lá, é mais difícil pôr as coisas a funcionar, temos de puxar pela cabeça, de desenvolver a componente criativa; cá, há mais exigência, mais qualidade", volta Carvalhal. Por isto, regressar também pode ser difícil.