11.5.23

Concessionários vão poder proibir que se fume nas praias

Alexandra Campos, in Público



Governo quer proibir o consumo de tabaco à porta de restaurantes e até nas esplanadas cobertas. Tabaco aquecido passa a ter as mesmas regras que o tabaco convencional.


O cerco ao consumo de tabaco vai apertar-se em Portugal. À boleia da transposição de uma directiva europeia que obriga Portugal a equiparar os produtos de tabaco aquecido ao tabaco convencional já a partir de Outubro, o Governo decidiu ir mais longe e avançar com uma série de novas restrições que passam pelo alargamento dos locais onde é proibido fumar - à porta de restaurantes, hospitais, escolas e até esplanadas cobertas - e pela interdição da venda de tabaco na maior parte dos estabelecimentos onde actualmente isso é possível, deixando estes de ter máquinas de venda automática.

A proposta de lei é a quarta alteração à Lei do Tabaco e deve ser aprovada esta quinta-feira em Conselho de Ministros, mas terá que passar ainda pelo crivo da Assembleia da República. Se for aprovada sem alterações, a venda de tabaco, directa ou em máquinas de venda automática, passa a estar interdita na maior parte dos estabelecimentos, como cafés, restaurantes e até bombas de gasolina.

Também os estabelecimentos que se investiram em equipamentos para se adaptarem às regras para terem espaços reservados a fumadores em áreas fechadas, ao abrigo da portaria que entrou em vigor em Janeiro passado, vão ter de os encerrar em 2030.

Mas o Governo quis ainda dar mais passos no sentido de complicar a vida aos fumadores, ainda que um destes de forma indirecta. Sem querer avançar para a interdição absoluta de fumar nas praias, como já acontece noutros países, optou por deixar na proposta de lei essa possibilidade, que fica, porém, ao critério dos concessionários. “Os concessionários poderão definir que é proibido fumar nas suas praias”, adiantou ao PÚBLICO a secretária de Estado da Promoção da Saúde, Margarida Tavares, sublinhando que, neste sentido, “pode haver praias livres de fumo”. “Isso seria excelente.”

Em síntese, a partir de 23 de Outubro deste ano, se a proposta for aprovada, passará a ser proibido fumar ao ar livre dentro do perímetro de estabelecimentos de saúde e de ensino, recintos desportivos, estações, paragens e apeadeiros dos transportes públicos. Isso inclui ainda, exemplifica Margarida Tavares, as áreas ao ar livre de piscinas e parques aquáticos.

Apenas os aeroportos, as estações ferroviárias e rodoviárias de passageiros e as gares marítimas e fluviais continuam a poder ter espaços fechados reservados a fumadores. O mesmo acontecerá nas prisões e nos hospitais psiquiátricos. E serão redefinidos os espaços onde é permitida a instalação de máquinas de venda automática, que terão que se localizar a mais de 300 metros dos estabelecimentos de ensino.

Na prática, explica Margarida Tavares, estas máquinas de venda automática vão "deixar de fazer sentido" em locais como cafés, restaurantes, bares, bingos, salas de jogos e de espectáculos, uma vez que estes vão deixar, a partir de Janeiro de 2025, de poder vender tabaco - que passará a ser comercializado apenas nas tabacarias e similares e nos locais com espaços reservados a fumadores.
Tabaco aquecido com imagens de choque

Ao mesmo tempo, as embalagens de tabaco aquecido vão passar a ter que exibir advertências de saúde combinadas, também com imagens, à semelhança do que acontece com os maços de tabaco convencionais. Esta é a primeira medida, destaca a governante, lembrando que decorre da necessidade de transpor para a legislação nacional, até 23 de Outubro, a directiva europeia que equipara os produtos de tabaco aquecido ao tabaco convencional no que se refere a odores e sabores e advertências de saúde.

É uma alteração "muito importante porque o objectivo central é tentar dissuadir" os jovens de iniciar o consumo de tabaco, numa altura em que se sabe que estão a aumentar as “formas cool de fumar”, como o tabaco aquecido e os cigarros electrónicos, destaca. “São dispositivos atractivos e que poderiam comprometer o objectivo que é o de ter uma geração livre de tabaco em 2040”. Neste contexto, acrescenta, passará também a ser proibida a venda, a publicidade e campanhas de experimentação de tabaco em festivais de música e outros espaços públicos.

“Tínhamos que transpor a directiva europeia. E, a propósito disto, como já era nosso objectivo alterar a lei do tabaco, propusemos outras medidas basicamente focadas na proibição do fumo ao ar livre e na redução dos locais de venda de tabaco”, sintetiza Margarida Tavares.

Questionada sobre o aumento dos impostos e do preço do tabaco – que é considerada a medida mais eficaz para convencer os fumadores a deixar o tabaco -, a governante nota que esta é uma medida que "não se insere no âmbito desta lei”. “É óptimo que se lance essa discussão, mas não podemos fazer tudo de uma vez”.

Ao contrário da secretária de Estado - que está convencida de que as alterações serão aprovadas na Assembleia da República -, a coordenadora da Comissão de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, Sofia Ravara, mostra-se menos optimista: “Acho que vai haver imensa resistência.”

Apesar de considerar que se “podia ter ido mais longe”, Sofia Ravara considera que as alterações propostas são “um grande avanço”, mas teme que sejam "desvirtuadas na Assembleia da República”. E deixa um aviso: “Vai ser preciso combater a interferência da indústria”.

Sofia Ravara nota ainda que Portugal é um dos países em que diminuiu menos o consumo do tabaco nos últimos anos. A Lei do Tabaco data de 2007. “Estamos a diminuir mas muito devagarinho”.


Em 2005/2006, a prevalência de fumadores estava nos 20,9% (mais de 30% nos homens e cerca de 12% nas mulheres). Esse valor baixou para 20% em 2014 (28% nos homens, 13% nas mulheres) e para 17% em 2019 (24% nos homens e 11% nas mulheres), de acordo com o Inquérito Nacional de Saúde.

O último Estudo sobre o Consumo de Álcool, Tabaco, Drogas e outros Comportamentos Adictivos e Dependências em meio estudantil data de 2019. Dos alunos inquiridos nas escolas públicas, com idades compreendidas entre os 13 e os 18 anos, 38% tinham experimentado tabaco. Em termos de experimentação, destacava-se o tabaco de combustão (29%), seguindo-se os cigarros electrónicos (22%). Eram mais raras outras formas, como a shisha e o tabaco aquecido (“15% e 5% ao longo da vida, respectivamente”). Com Ana Cristina Pereira