Daniela Carmo, in Público online
“Há uma ideia fundamental que é a de que os direitos humanos são para se levar a sério”, explica o coordenador do projecto. Iscte criou o primeiro Núcleo de Estudos da Deficiência em Portugal.Aliar a vertente lúdica à educação e, através de um jogo de tabuleiro, consciencializar para os direitos humanos das pessoas com deficiência: é este o ponto de partida do KIT Direitos Humanos, uma iniciativa desenvolvida por investigadores do Iscte - Instituto Universitário de Lisboa. A par do jogo, aquela instituição criou também, este ano, o primeiro Núcleo de Estudos da Deficiência em Portugal e vai apresentá-lo publicamente esta quinta-feira, na presença de Ana Sofia Antunes, secretária de Estado da Inclusão, num seminário no Iscte.
“Há uma ideia fundamental que é a de que os direitos humanos são para se levar a sério”, explica Luís Capucha, docente que lidera a equipa do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES) do Iscte e coordenador científico do núcleo, a propósito dos dois projectos. O trabalho de desenvolvimento do jogo, uma mistura entre o tradicional jogo da glória e o monopólio, iniciou-se há três anos. O kit vai ser utilizado em escolas básicas e secundárias, associações ligadas às escolas e grupos informais de educação com o objectivo de envolver e de sensibilizar os mais novos e as famílias para a inclusão.
Além de visar os direitos humanos das pessoas com deficiência, são também chamados ao tabuleiro “os diferentes tipos de barreiras que estas pessoas encontram no quotidiano”, refere o investigador. Há, por exemplo, cartões com frases como “o que achas sobre o professor te deixar sempre fora da sala de aula porque não consegues acompanhar?” que dão conta desses entraves.
O intuito é, pois, o de avançar com uma série de iniciativas capazes de incutir na sociedade a necessidade de “coesão social e de não-segregação das pessoas com deficiência”. Para isso, defende Luís Capucha, importa desenvolver e expandir políticas nas comunidades como o Modelo de Apoio à Vida Independente capazes de dar autonomia às pessoas com deficiência e assentes numa lógica de “diferenciação”, por oposição à segregação.
“É a ideia de não ter de concentrar as pessoas que têm o mesmo problema numa sala ou num mesmo centro de actividades ocupacionais. Nessas condições elas não evoluem nem participam”, explica Luís Capucha. “Queremos contribuir para promover a mudança ao nível dos comportamentos e dos valores sociais das novas gerações em relação à deficiência."
Para levar esse trabalho a cabo a actuação vai decorrer em idades escolares tenras, logo a partir do 1.º ciclo, e incluem crianças e jovens com ou sem deficiências. O projecto foi concretizado em parceria com a associação Inovar Autismo e inclui uma plataforma moodle e uma aplicação que estarão acessíveis para pessoas cegas e surdas, prevendo também um conjunto de actividades lúdicas que serão realizadas em aula. O financiamento foi garantido pelo programa Portugal Inovação Social.
“O impacto a longo prazo que esperamos é que, por um lado, as crianças que têm deficiência percebam que têm direitos. E que as políticas sejam dirigidas à concretização desses direitos: ao trabalho, à escolarização, a entrar na universidade”, explica o investigador, que dá conta de que a percentagem de alunos que entram no ensino superior é muito reduzida. “São números que nos envergonham muito.” De acordo com um balanço do PÚBLICO em 2016, apenas 14% das vagas no superior para alunos com deficiência tinham sido ocupadas.
São estas e outras situações "de preconceito" que o núcleo agora criado pretende estudar, analisar e desconstruir. Com valências académicas, o grupo nasceu por iniciativa da reitora do Iscte, Maria de Lurdes Rodrigues, antiga ministra da Educação, conta com 38 membros até ao momento (entre investigadores, docentes ou doutorandos) e tem o propósito de produzir ciência e de aprofundar estudos sofre a deficiência em colaboração com organizações não-governamentais (ONG), instituições de solidariedade social e municípios.
“Verificámos que não existem estruturas académicas, centros ou núcleos de estudos específicos para a área da deficiência em Portugal, mas apenas investigadores dispersos ou pequenos grupos de docentes da área”, afirma Maria de Lurdes Rodrigues, citada em comunicado de imprensa enviado ao PÚBLICO. “Este Núcleo de Estudos da Deficiência permitirá produzir e difundir mais conhecimento nas áreas da deficiência e da inclusão social: a experiência do Iscte em políticas públicas permite-lhe desenvolver investigação e formação interdisciplinar, construir propostas de respostas sociais e desenhar programas para a sua implementação e gestão”, refere a reitora do Iscte.