Helder C. Martins, in Expresso
O Parlamento discute esta sexta-feira o programa Mais Habitação com o qual o Governo quer combater a crise da habitação. O Executivo pretende promover não só a oferta de habitação pública - num país onde o parque público ronda os 2% e contrasta profundamente com o que se passa na Europa com países acima dos 20% - e ao mesmo tempo facilitar a entrada no mercado de mais habitação acessível aos portugueses. Pelo meio, existem intervenções administrativas para limitar preços especulativos no arrendamento, fim dos vistos gold, limites ao arrendamento local. Acresce, um Simplex do Licenciamento, com um âmbito tão vasto que vai desde as banheiras, bidés e cozinhas – imposições do Regulamento Geral de Edificações Urbanas que serão revistas - até à alteração dos usos do solos. O programa tem sido alvo de críticas por parte de todos os intervenientes no mercado da habitação, de inquilinos a senhorios, passando por promotores, investidores e construtores, juristas, até às autarquias e às ordens profissionais. Em vigor já estão os diplomas relativos ao apoio à renda e à bonificação dos juros no crédito à habitação, que o Executivo pôde adotar sem discussão parlamentar prévia.
O Mais Habitação deverá ser esta sexta-feira discutido na generalidade. Pela sua vastidão e polémica levantada, é natural que haja temas que deverão baixar às comissões da especialidade que deverão retornar ao plenário. Em debate estarão ainda dez projetos de lei, um projeto de deliberação e dois projetos de resolução apresentados pela oposição.
Veja aqui seis dos principais temas mais polémicos do que será discutido esta sexta-feira:
ARRENDAMENTO FORÇADO
A possibilidade das autarquias poderem proceder ao arrendamento forçado de imóveis considerado devolutos há mais de dois anos é uma das medidas mais polémicas. Se a medida já existia na lei, logo a seguir à imposição das obras coercivas, o Governo reforça agora com uma linha de crédito de 150 milhões de euros para as autarquias poderem realizar obras coercivas, reforçando o disposto no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE). Os imóveis têm que estar devolutos há mais de dois anos, com o respetivo agravamento do IMI por parte da autarquia. De fora ficam as casas de férias, segundas residências, casas de imigrantes e de pessoas que por motivos de saúde ou profissionais nelas não residam. E também não se aplica a moradias. Tal como no caso da suspensão de emissão do alojamento local, o ónus do processo compete às autarquias que aceitem os novos instrumentos legais. Para a Associação Nacional de Municípios Portugueses, o arrendamento forçado é das medidas mais preocupantes para as autarquias pois os municípios que não cumpram a disposição serão penalizados com a suspensão das taxas agravadas de IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) sobre os imóveis devolutos. Lisboa e Porto, são algumas das câmaras que já disseram que não vão aplicar a medida.Proprietários e alguns juristas duvidam da constitucionalidade desta medida.
ALOJAMENTO LOCAL
O programa Mais Habitação prevê a suspensão de novas licenças de alojamento até até 31 de dezembro de 2030 no território continental, com exceção de zonas do interior identificadas pelo Programa Nacional para a Coesão Territorial como de baixa densidade. Na prática, vai aplicar-se às zonas do litoral e exclui os alojamentos rurais. A proposta do executivo prevê também que os registos emitidos à data de entrada em vigor das novas regras caduquem no final de 2030, a partir daí, renováveis por cinco anos. Esta caducidade não se aplica aos estabelecimentos de alojamento local cujos empréstimos ainda não tenham sido integralmente liquidados até ao ano anterior. Tal como no arrendamento forçado, cabe às autarquias aplicar a regulamentação. O programa Mais Habitação, prevê que a suspensão destes registos se mantém nas autarquias que tenham declarado situação de carência habitacional. Por outro lado, a proposta do Governo prevê uma contribuição especial para o Alojamento Local cuja base tributável é constituída pela aplicação de um coeficiente económico (com base na área do imóvel e rendimento) e de localização ou não numa zona de pressão urbanística. A taxa aplicável é de 20%. Para Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) – que convocou para São Bento uma manifestação nacional esta sexta-feira - o governo quer “matar a atividade”.
TETO ÀS RENDAS
A proposta do Governo prevê a limitação do aumento dos novos contratos de arrendamento a 2% sobre o valor do contrato anterior, a que acresce a taxa de inflação, calculada em 5,43% para este ano. O teto de 2% imposto exclui as casas arrendadas por valores inferiores ao praticado no programa de arrendamento acessível.
ESTADO PAGA RENDAS EM ATRASO
Uma medida contestada pelos senhorios que nela vêm “um apoio ao não pagamento” é a possibilidade do Estado se substituir ao inquilino e pagar rendas com três meses de incumprimento. Desta forma, caberá ao Estado avaliar a situação do inquilino e poderá avançar para a cobrança dos valores em falta usando os meios já existentes para a cobrança de outras dívidas. No caso do incumprimento se dever a carência de meios, o caso é articulado com a Segurança Social e retirado do Balcão Nacional de Habitação.
FIM DOS VISTOS GOLD
Depois de suspensos há 2 anos em Lisboa, Porto e Algarve, o Governo avança com o fim dos vistos gold, cujo nome técnico é Autorização de Residência por Investimento (ARI), realacionados com a compra de imobiliário. O governo “afinou” entretanto a proposta inicial em matéria de renovação ( a cada dois anos) dos mais de 10 mil vistos já concedidos. Os novos pedidos de autorização de residência passam a ser sujeitos a um novo tipo de visto que leva em conta “ investimentos ou apoios à produção artística, recuperação ou manutenção do património cultural nacional sobre os quais tenha sido emitida, previamente à entrada em vigor da presente lei, declaração da tutela competente".
LICENCIAMENTOS
A proposta de simplificação dos processos de licenciamento urbanístico, conhecida como Simplex do licenciamento, que acompanha o Mais Habitação é de tal forma vasta e complexa que demorará ainda bastante tempo a ser aprovada, dizem analistas, autarcas, juristas, entre outros intervenientes no processo. Uma das principais medidas, que já existe na lei mas pouco ou nada é utilizada, diz respeito ao recurso à comunicação prévia em vez do licenciamento camarário. Os autarcas dizem que não têm meios para responder ao “excessivo ênfase posto na fiscalização” e receiam que a redução do licenciamento prévio leve a um “desordenamento territorial” e até “ao regresso dos mamarrachos”.
Por outro lado, arquitetos, projetistas e engenheiros, saúdam a intenção de rever o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), mas consideram que, para já, está a ser “feito pela rama”, eliminando os aspetos mais irritantes como sejam o fim da obrigação de bidés e banheiras nas casa de banho, ou a possibilidade de os projetos incluírem cozinhas abertas (kitchnetes). Por outro lado, queixam-se de o documento ser omisso quanto a prazos para efetuar a revisão do RGEU e do RJUE (que datam dos anos 1950), bem como não existir qualquer calendário para a adoção de um código da construção, uma medida que é considerada necessária há quase 50 anos, e que serviria para condensar, expurgar e modernizar os mais de 2200 diplomas legais relativos ao licenciamento da construção.