3.5.23

Percursos sem chumbos: diferença entre alunos mais pobres e a média encurta, excepto no secundário

Andreia Sanches e Cristiana Faria Moreira, in Público


O hiato entre alunos com menos recursos e os restantes tem diminuído, mas persistem ainda diferenças no secundário, tanto em termos de notas como de taxas de conclusão sem chumbos.


Quantos alunos conseguem acabar a escola no tempo esperado, ou seja, sem chumbar nenhum ano? E qual a diferença entre os mais carenciados, abrangidos pela Acção Social Escolar (ASE), e a média nacional, que junta todos os alunos, de diferentes contextos? Estas são, no essencial, duas perguntas que servem de ponto de partida ao relatório Resultados Escolares: Sucesso e Equidade, da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), divulgado nesta terça-feira. A cada ano que passa, mostram os dados, as taxas de sucesso têm aumentado. E o hiato entre alunos com menos recursos e a média nacional tem diminuído. No ensino secundário, contudo, a diferença entre alunos de diversos contextos teima em persistir.

Alguns dados: em 2021, 77% dos alunos do país que terminaram o 12.º ano fizeram-no após um percurso (10.º, 11.º e 12.º) sem retenções. Acabaram o secundário em três anos. Se olharmos apenas para os alunos com apoios do Estado a taxa foi de 69%. São oito pontos percentuais de diferença.


No ano anterior, as percentagens eram de 70% e 62% respectivamente, uma diferença, uma vez mais, de oito pontos. E tem sido assim desde 2018: as taxas de conclusão no tempo esperado no secundário têm melhorado para todos os alunos, com e sem ASE, o que é uma excelente notícia, como foi sublinhado na apresentação do relatório. Mas, constata-se nos dados que constam do documento que nos cursos científico-humanísticos do secundário tem havido sempre uma diferença de oito pontos a separar ambos os grupos.

O cenário é distinto no 3.º ciclo, onde a diferença entre o desempenho dos alunos com ASE face ao dos alunos todos se reduziu nos últimos anos. Regresso a 2021: 90% dos alunos conseguiram acabar o 3.º ciclo (7.º, 8.º e 9.º anos) em três anos, como é suposto; o mesmo aconteceu com 84% dos alunos abrangidos pela ASE. Ou seja, estamos a falar de uma diferença de seis pontos. Se recuarmos a 2018, ela era de dez pontos (apenas 70% dos alunos com ASE fazia um percurso sem percalços, contra uma média nacional de 80%).

Já no ensino profissional, não só os alunos com ASE conseguem uma taxa de sucesso muito semelhante a todos os alunos a nível nacional, como “registaram, nos dois últimos anos, valores semelhantes aos cursos científico-humanísticos”, sublinha a DGEEC.



O indicador de equidade, tal como medido pela DGEEC, c​ompara os resultados dos alunos com ASE "de uma determinada escola, agrupamento ou território, com a média nacional dos resultados de alunos com perfil semelhante e em escolas do país com um contexto socioeconómico semelhante", lê-se no relatório. Que regiões se saem melhor em termos de equidade? Depende dos níveis de ensino. Por exemplo, “no secundário, nos cursos científico-humanísticos, o indicador de equidade alcança em 2021 valores elevados no Ave, Alentejo Central e Beiras e Serra da Estrela, em contraste com os resultados negativos observados no Alentejo Litoral e no Baixo Alentejo”. O Algarve sai-se mal no ensino profissional.

Estudantes mais pobres com piores resultados nos exames

Olhando para as notas das provas finais e dos exames nacionais realizados em 2022, as conclusões são semelhantes: os alunos que beneficiam dos escalões A e B da ASE saem-se pior do que os estudantes que não recebem qualquer apoio — tanto no ensino básico como no secundário.

Nas provas finais de Matemática e de Português de 9.º ano, que regressaram em 2022, após a pausa da pandemia, os alunos beneficiários do escalão A tiveram notas inferiores em 0,7 valores na disciplina de Matemática (com uma média de dois valores, numa escala que vai até 5) e em 0,5 na disciplina de Português (com média de 2,5 valores) em relação aos alunos com mais recursos. A média nacional rondou os 2,9 na disciplina de Português os 2,5 na Matemática, nota um outro documento, com os principais indicadores das provas finais e exames nacionais, divulgado também esta terça-feira.

Olhando para as regiões, foi em Braga, Coimbra, Porto e nas escolas portuguesas no estrangeiro que foram conseguidos melhores resultados a Português, enquanto os alunos de Beja, Faro, Setúbal e Região Autónoma dos Açores obtiveram piores resultados. Na disciplina de Matemática, os melhores resultados médios foram alcançados em Braga e em Viana do Castelo e o pior na Região Autónoma dos Açores.

No que respeita ao ensino secundário, “as diferenças nas classificações médias nos exames entre estes três grupos [beneficiários dos escalões A e B e não beneficiários] de alunos surgem, de forma transversal, em praticamente todas as disciplinas, sendo contudo mais notórias entre os alunos que beneficiam do escalão A e aqueles que não beneficiam de qualquer apoio ASE”, nota o relatório. O escalão A é atribuído aos alunos inseridos em famílias com rendimentos especialmente baixos.

Os estudantes com mais recursos obtiveram resultados sempre mais elevados, com diferenças que chegam a mais um valor nas disciplinas de Matemática A, Filosofia, Biologia e Geologia e Física e Química A. No exame nacional de Matemática A, por exemplo, a média nacional dos exames feitos por alunos beneficiários do escalão A foi de 10,6, valores enquanto a dos alunos que não beneficiam de apoio do Estado foi de 12,4. Em Física e Química A, cenário semelhante: os alunos com menos recursos tiveram uma nota média de 10 e os alunos que não beneficiam de escalão atingiram, em média, os 11,5 valores.


“A pobreza não é determinística”, garantiu o ministro da Educação João Costa no final da apresentação destes estudos. “Há regiões, distritos, escolas que conseguem levar os alunos mais carenciados mais longe do que outras. A partir daí é preciso ver o que fazem estas escolas para adoptarmos políticas em larga escala quando elas são eficazes”, afirmou.

Tem havido uma “melhoria lenta, mas consistente” no desempenho dos alunos, prosseguiu. Um ano marcado pelas greves de professores, poderá fazer com que os resultados piorem? João Costa acredita que não, até porque, garante, a greve em curso tem tido baixa adesão.

Em breve, acrescentou, deverá ser apresentado um estudo que repete um outro, “sobre as três literacias”, feito durante a pandemia. “Ainda não conheço os resultados mas será um grande instrumento de avaliação do Plano de Recuperação das Aprendizagens.”