Samuel Silva, in Público
Maioria das universidades e politécnicos só criou estes mecanismos no último ano. Instituições públicas receberam 90 denúncias, a maioria por assédio moral.
Um quarto das instituições de ensino superior não tem canais de denúncia destinados a receber queixas de assédio moral ou sexual por parte dos membros das suas comunidades. A maioria só o fez depois de, há um ano, a ministra Elvira Fortunato ter feito essa recomendação, na sequência dos casos vindos a público na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL). A preocupação com o tema é muito recente no sector.
Durante a última semana, o PÚBLICO questionou todas as universidades e politécnicos públicos sobre os mecanismos existentes para lidar com casos de assédio moral ou sexual no interior das academias. Apenas duas (Instituto Politécnico de Santarém e Universidade dos Açores) não responderam. Os dados apresentados incluem, por isso, 26 instituições de ensino superior.
Em sete delas, não existem canais onde os estudantes, docentes e outros funcionários possam fazer denúncias. Estas representam 25% do total da rede pública de ensino superior. É o caso do Instituto Politécnico de Beja. “Não possuímos mecanismos específicos de denúncia/queixas de situação de assédio, contudo o Sistema Integrado da Qualidade, que permite procedimentos de queixas e reclamações em geral, poderia ter sido utilizado para esse tipo de queixa”, justifica fonte da presidência. Outras instituições como o Politécnico de Lisboa ou as universidades de Évora e do Minho também não têm estes mecanismos específicos.
Nas respostas ao PÚBLICO, as instituições sublinham que os casos de assédio já podiam ser reportados, antes da existência de canais próprios, a figuras como o provedor do estudante, que a maioria já tem há cerca de uma década, ou directamente junto das direcções das faculdades.
Em três das instituições que não possuem um canal específico para denúncia de casos de assédio, a situação estará prestes a ser ultrapassada, segundo a informação disponibilizada pelas próprias. O Instituto Politécnico da Guarda contratou recentemente uma jurista para tratar “as denúncias que possam surgir” e promete uma plataforma digital para apresentação de queixas “ainda este ano”. Na Universidade da Beira Interior, está “em fase de conclusão” a criação desse mecanismo. Antes disso – “nos próximos dias”, garante a presidência da instituição –, haverá resposta no Politécnico de Castelo Branco.
O caso destas três instituições é exemplar de quão recente é esta preocupação no sector. A maior parte (nove no total) das universidades e politécnicos públicos criaram estes canais durante os meses do Verão passado, em resposta a uma recomendação da ministra Elvira Fortunato.
Na sequência das dezenas de denúncias de assédio na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, a governante enviou um despacho às instituições no qual recomendava a adopção de códigos de conduta e a criação de canais para a apresentação de denúncias.
No início deste ano, também criaram estes mecanismos os politécnicos de Viana do Castelo e Bragança (em Janeiro), bem como a Universidade do Algarve e o Instituto Politécnico de Leiria (em Fevereiro). Quando existem mecanismos de denúncia, estes funcionam maioritariamente online, através de páginas específicas dos sites das instituições ou endereços de email.
Nos últimos meses, também têm sido publicados em Diário da República os códigos de conduta pedidos pela ministra. Quando não existem, estão a ser terminados, garantem as instituições. Na Universidade de Évora, esse documento está em consulta pública nas próximas semanas.
No entanto, várias instituições acabaram por criar mecanismos de denúncia que não são exclusivos para situações de assédio moral ou sexual. As universidades e politécnicos estavam obrigados por lei (93/2021) a criar um regime de protecção de denunciantes de infracções, na sequência da transposição para o ordenamento jurídico nacional de uma directiva europeia. Por isso, os portais de denúncia com garantia de confidencialidade também se destinam a casos de abuso de poder, conflitos de interesses ou corrupção, fraude ou furto.
Quase 90 denúncias
O pedido de informação feito pelo PÚBLICO junto das instituições de ensino superior também as inquiria quanto à existência de casos de abuso moral e sexual reportados por estudantes, professores e trabalhadores não docentes. A informação recolhida permite elencar 86 queixas de assédio, a maioria das quais diz respeito aos últimos dois anos.
A maior parte das situações reportadas pelas instituições de ensino corresponde a situações de assédio moral (53). Há também 25 queixas por assédio sexual. Em oito casos, a informação fornecida pela instituição não permite categorizar o tipo de denúncia.
Houve sanções para as pessoas denunciadas em 15 casos, embora as instituições de ensino superior não especifiquem o tipo de pena aplicada. São também reportados 22 casos arquivados, estando os restantes ainda em curso.
A Universidade de Lisboa é a que apresenta números mais elevados, com 32 queixas de assédio moral e 12 de assédio sexual, nos últimos cinco anos. Nenhuma outra instituição chega à dezena de casos.
Nesta contabilidade estão vários casos que têm sido noticiados, como as acusações de assédio sexual que valeram a suspensão preventiva de três professores do Instituto Politécnico do Porto, há duas semanas, ou a professora da Universidade do Porto que, depois de ter sido acusada de atacar dois colegas com um frasco de ácido, foi alvo de novas queixas por assédio moral e sexual por parte de vários outros trabalhadores da instituição, como o PÚBLICO tinha noticiado há um ano.
O pedido de informação foi dirigido às reitorias e presidências dos institutos politécnicos. Além das duas que não responderam, 12 instituições não reportam nenhum caso. Foram pedidos dados dos últimos cinco anos, mas só três instituições (Universidade de Lisboa, Universidade Nova de Lisboa e Instituto Politécnico de Leiria) o fizeram. A maioria apenas reporta informações recolhidas a partir do ano passado, na sequência da recomendação da ministra, após as notícias acerca da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
O MCTES voltou a agir depois de virem a público as alegações de assédio moral e sexual no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Ao final do dia 21 de Abril, enviou um pedido de informação às instituições de ensino superior e de ciência para conhecer os números de queixas dos últimos cinco anos, dando até dia 26 às instituições para responderem – ou seja, dois dias úteis. A ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior foi a uma audição parlamentar no dia seguinte.
Foi perante os deputados que Elvira Fortunato informou que esse inquérito revelou a existência de 38 queixas de assédio sexual, quatro das quais resultaram em sanções, nos últimos cinco anos. Foram ainda recebidas 78 denúncias por assédio moral, das quais resultaram cinco sanções disciplinares, segundo a tutela. O ministério questionou as várias faculdades e centros de investigação, pelo que o universo consultado é diferente do que foi considerado pelo PÚBLICO.