19.5.23

Vamos ou não ter habitação a preços acessíveis? E quando?

 Ana Baptista, in Expresso


Podia ser a pergunta do milhão de euros, mas não é. E não é porque sabemos, pelo menos, que não será no imediato que vão aparecer casas mais baratas no mercado. Construir uma casa continua a demorar “três a quatro anos”; os custos de construção continuam elevados, os proprietários continuam com “medo” de arrendar as casas; o programa Mais Habitação ainda não está em vigor, e o ‘simplex’ dos licenciamentos está em execução. Mas há soluções em cima da mesa e, depois de algumas alterações a essas medidas, até já há esperança no que pode vir aí


PRESENTE ENTRE PROCESSOS “KAFKIANOS” E “FALTA DE CONFIANÇA”

Para a maioria das pessoas, os problemas da habitação são os preços, a falta de oferta e, agora, as taxas de juro elevadas. Mas detrás disto está uma complexa máquina a que os que trabalham com ela chamam “kafkiana”. Os processos de licenciamento são um deles.

Para se construir uma casa é preciso respeitar as mais de 2200 leis incluídas num diploma que data de 1951, como por exemplo a que obriga a ter, pelo menos, uma casa de banho com uma banheira e um bidé. “Uma regra estúpida que condiciona a planta da casa”, diz a economista Susana Peralta, e que “não está de acordo com o que as pessoas querem hoje para as suas casas”, acrescenta o presidente da Associação Portuguesa dos Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), Hugo Santos Ferreira.

São regras como estas, “superpicuinhas”, diz Susana Peralta, que são depois analisadas pelas autarquias, contribuindo para os atrasos nas aprovações que, em vez dos 60 dias que estão na lei, demoram entre seis meses a quatro anos, conforme as câmaras. E que contribuem também para a escassez da oferta — que caiu 7% no primeiro trimestre do ano, diz o economista Pedro Brinca — e para a consequente subida dos preços, acrescenta o diretor do Confidencial Imobiliário (CI), Ricardo Guimarães.Segundo dados da Pordata, entre 2011 e 2021 só se construíram cerca de 110 mil casas, quando nas décadas anteriores tinham sido cerca de 500 mil. Entretanto, os custos de construção subiram 23%, as taxas de juro aumentaram e a procura disparou. Consequência? T2 ou T3 a custar, em média, mais de €150 mil em Portugal e mais de €300 mil em Lisboa; rendas superiores a €500 em todas as regiões do país; prestações mensais a subir até €200; e as vendas e os novos contratos de arrendamento a cair uns 3% (segundo dados da Century 21, do CI e do INE).

Contudo, no arrendamento, não é só por causa da demora dos licenciamentos que não há oferta, é porque “há falta de confiança”, repara o ex-presidente do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, Victor Reis. Ou “medo”, como diz Pedro Brinca. Falta de confiança num mercado cujas regras estão sempre a mudar; em que os despejos se podem arrastar anos nos tribunais, ficando sem receber renda; medo de entregar a casa ao Estado para ele arrendar a preços acessíveis, “porque sabemos que o Estado não é bom pagador”, considera Victor Reis. Por isso é que, remata Pedro Brinca, a oferta de casas para arrendar caiu 40% em 2022.

FUTURO ENTRE A CEDÊNCIA DE IMÓVEIS E LICENCIAMENTOS RÁPIDOS

A promessa de trazer casas com preços mais acessíveis para o mercado e, desta forma, resolver a atual crise na habitação está, neste momento, assente no programa Mais Habitação que depois de várias alterações já reúne alguns consensos. Mas ainda há quem entenda que faltam medidas essenciais.

Por exemplo, para o arquiteto e ex-presidente do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), Victor Reis, a única forma imediata de resolver o problema é pegar nos 1,8 milhões de casas sem uso permanente e colocar parte delas no mercado de arrendamento. Mas esta medida não está no Mais Habitação, que se baseia mais em dar apoios fiscais e legais a quem reabilitar e construir casas, o que significa que casas a preços acessíveis só daqui a “uns três ou quatro anos” que é o tempo médio que demora a construir um prédio, repara.

Não quer com isto dizer que não se reabilitem e construam casas, até porque as que podem ir já para o mercado não chegam para colmatar a falta de oferta que existe. Contudo, esta reabilitação nunca poderá ser feita através das obras coercivas que o Governo incluiu no Mais Habitação, diz Victor Reis, porque “só a palavra coerciva dá cabo da já pouca confiança que os proprietários e senhorios têm no mercado de arrendamento”.

Para os investidores a medida com mais potencial no Mais Habitação é a cedência, por um período de 90 anos, de terrenos e imóveis do Estado aos privados para que eles construam casas para arrendar a preços acessíveis. Aliás, a APPII está a trabalhar com o Governo nesta medida e espera “até ao verão” ter um plano dos imóveis que o Estado tem para ceder. É que, além da cedência, estas obras teriam um IVA de 6% em vez dos normais 23% e ainda acesso a um crédito bonificado até aos €250 milhões. Ou seja, pelas contas de Ricardo Guimarães, diretor do CI, com estes critérios e já assumindo alguma rentabilidade para o promotor, é possível baixar a renda de um T2 de 80 m2 de €1024 para €618. Mas, teria de se juntar a isto um licenciamento rápido, alerta.

Em cima da mesa do Governo estão várias medidas nesse sentido, como deixar de fora da análise das câmaras os projetos de especialidades; eliminar os pareceres prévios da Direção-Geral do Património nas zonas classificadas ou aplicar multas às câmaras que não cumpram os prazos. Mas “sempre garantido o equilíbrio e sem tirar a segurança jurídica ao procedimento”, remata Hugo Santos Ferreira, presidente da APPII.