2.12.08

Ajuda da União Europeia aos países pobres vai diminuir

Alexandra Carreira, in Diário de Notícias

Crise. Conferência internacional em Doha termina hoje


Prever qual será o impacto da crise financeira sobre os países subdesenvolvidos é quase um exercício de futurologia. Mas há razões para acreditar que "serão os mais pobres do planeta a pagar as contas de uma crise" sobre a qual, para o comissário Europeu do Desenvolvimento, o belga Louis Michel, "não têm quaisquer responsabilidades".

Mesmo que não haja um corte percentual na ajuda ao desenvolvimento, "como esse apoio é expresso em percentagem do produto interno bruto, se o crescimento for menor, então o valor absoluto da ajuda será mais pequeno", explica ao DN Koos Richelle, director da EuropeAid, a agência da Comissão Europeia (CE) para o desenvolvimento. O responsável avisa também que "já se notam diferenças no comportamento dos países", nomeadamente ao nível das prioridades, alertando ao mesmo tempo que "voltámos a ter de nos preocupar com as necessidades mais básicas, como a alimentação".

Num contexto em que os 27 da União Europeia (UE) contam tostões para salvar os bancos em dificuldades e se preparam para adoptar um plano interno anticrise no valor de 200 mil milhões de euros, as preocupações aumentam entre as organizações não governamentais e nas instituições internacionais de que os primeiros cortes sejam feitos nas ajudas aos mais pobres.

"A crise financeira vai ser usada como uma desculpa para cortar no desenvolvimento", garante Luca Defraia, representante da Action Aid, uma organização antipobreza. Defraia explica que "ainda é cedo para saber quais serão os efeitos reais", mas, à margem da Conferência Internacional de Financiamento ao De- senvolvimento que termina hoje em Doha, no Qatar, o activista sublinha que "os países jogam com os números para tentar esconder que o total da ajuda já vem a diminuir desde há dois anos", apesar de a posição oficial da UE reforçar os compromissos assumidos em 2000. "O que vai sair de Doha é um acordo intergovernamental muito fraco, as posições negociais estão enfraquecidas e vemos que a ajuda ao de- senvolvimento é uma parte muito pequena da discussão em torno da reforma das instituições financeiras", diz, em Qatar, Jasmine Burnley, da Concord, a maior plataforma de ONG para o desenvolvimento.

Ainda assim, e num sinal contraditório, em Novembro, os 27 europeus chumbaram uma proposta da CE que pretendia atribuir mil milhões de euros para ajuda alimentar aos países do Sul. O montante viria das sobras do orçamento da Política Agrícola Comum, mas os ministros da Agricultura não concordaram com a medida.

Metas do Milénio em risco

A meio do ano a Organização Europeia para a Cooperação e Desenvolvimento (OECD) anunciava que a maioria dos 27 estava em falta com os compromissos assumidos no contexto dos Objectivos do Milénio - uma campanha da ONU lançada em 2000 que prevê um corte pela metade nos números da pobreza até 2015. Ainda a meio caminho, são mais as vozes a anunciar um falhanço. Os países ricos prometeram a atribuição de 0,56% do PIB em 2010 em ajudas ao desenvolvimento e 0,7% em 2015. Em termos colectivos, os 15 mais antigos da UE não conseguiram ultrapassar a barreira dos 0,39% do PIB em ajuda ao desenvolvimento.

Portugal está no penúltimo lugar, atrás da Itália, com apenas 0,2% do PIB. A Concord diz que "se a UE quiser cumprir os objectivos de 2010, então a ajuda ao desenvolvimento terá de duplicar". Na mesma linha, a plataforma sublinha que, a manter- -se o ritmo, os países mais pobres terão, em 2010, perdido 50 mil milhões de euros em relação ao prometido.