Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público
As ambições europeias em matéria de protecção do clima estão em risco de provocar uma das cimeiras de líderes da UE mais duras dos últimos tempos, devido ao profundo desacordo que persiste entre os governos
A protecção do clima será o tema mais controverso da cimeira da União Europeia (UE) que decorre hoje e amanhã em Bruxelas e que terá ainda na agenda a definição da resposta europeia para a crise económica e a definição de uma saída para o impasse que rodeia o Tratado de Lisboa.
Para Durão Barroso, trata-se nada mais do que a cimeira mais importante em que terá participado desde que assumiu o cargo de presidente da Comissão Europeia, há quatro anos.
Nicolas Sarkozy, Presidente francês, já deixou clara a sua determinação absoluta em conseguir um acordo unânime sobre o pacote do clima até ao fim da sua presidência da UE, a 31 de Dezembro. De tal forma que já fez saber que, se este objectivo não for alcançado até amanhã à noite, obrigará os seus pares a regressar a Bruxelas para uma cimeira extraordinária a 30 de Dezembro.
A dificuldade do exercício tem a ver com a nova prudência de países como a Alemanha, que, em época de crise económica, temem penalizar a indústria em resultado das novas obrigações ambientais (ver texto nestas páginas).
A recessão suscitará o segundo grande debate dos líderes, que procurarão adoptar uma resposta comum. Sem orçamento federal capaz de permitir o tipo de investimento público que está a ser preparado nos Estados Unidos, e juridicamente impedida de se endividar para o mesmo fim, a UE enquanto tal não tem grande margem de manobra nesta matéria.
Divisões e recessão
Durão Barroso propôs assim aos Vinte e Sete uma "caixa de ferramentas" com as pistas que estão a ser adoptadas ao nível dos Estados para serem usadas em função da situação específica de cada um e de forma coordenada, para maximizar os efeitos.
Barroso sugere assim a concentração dos esforços nos sectores mais afectados, como o automóvel ou a construção, a opção por aumentos das despesas públicas, redução de impostos e encargos sociais, ou aumento dos subsídios às populações mais vulneráveis, e o acompanhamento das medidas anti-recessão de reformas estruturais assentes no desenvolvimento de infra-estruturas e de novas tecnologias "verdes" ou aposta na educação, investigação e inovação.
Os líderes terão sobretudo de decidir se quantificam ou não o seu esforço conjunto, que, segundo Barroso, deverá ascender a 1,5 por cento do PIB da UE, ou 200 mil milhões de euros - dos quais 1,2 por cento, ou 170 mil milhões, a cargo dos Estados-membros. Se este último valor não deverá ser referido, o presidente da Comissão considera essencial quantificar o valor de 1,5 por cento do PIB, de modo a reforçar a credibilidade do processo. Alguns países julgam ser mais prudente não referir qualquer valor.
Joaquin Almunia, comissário europeu responsável pela economia e finanças, estimou ontem os planos de relançamento nacionais ao nível de "0,8 a 0,9 por cento" do PIB da UE, ou seja, muito aquém do esperado. Esta quantificação fornece um argumento suplementar para países como a França e Reino Unido exigirem um esforço suplementar da Alemanha, cujo plano nacional é considerado muito inferior do que seria necessário para impulsionar o arranque da economia motora da UE.
Os líderes terão igualmente de se pronunciar sobre a proposta de Barroso de reafectação de 5 mil milhões de euros de "sobras" do orçamento agrícola da UE para investimentos em infra-estruturas e tecnologias de informação. Alemanha, Holanda, Suécia ou Polónia demoliram esta proposta numa recente discussão entre os ministros das Finanças, repetindo a sua tradicional exigência de devolução do dinheiro não gasto aos orçamentos nacionais.
Novo referendo irlandês
Os Vinte e Sete esperam por outro lado que Brian Cowen, primeiro-
-ministro da Irlanda, anuncie hoje a realização, em 2009, de um novo referendo ao Tratado de Lisboa para anular o resultado negativo da consulta de Junho passado, que impede a sua entrada em vigor em toda a UE. Vários países querem que fique já assente nesta cimeira um "roteiro" claro para o processo a seguir e o calendário para a entrada em vigor do novo tratado, que poderá ser 1 de Janeiro de 2010.
Para isso, Cowen pretende obter dos seus pares uma declaração garantindo a soberania nacional em matéria de neutralidade militar, autonomia fiscal e direito ao aborto, os temas que maior controvérsia geraram em Junho. Mas Cowen quer, sobretudo, a garantia de que a Comissão Europeia continuará a contar com um nacional por Estado-membro, ao contrário do formato reduzido que o novo tratado impõe a partir de 2014.
Lisboa permite que esta regra seja alterada por uma decisão unânime dos Vinte e Sete, o que tornará possível regressar ao formato de um comissário por Estado-membro. Bélgica, Holanda e Luxemburgo são os únicos países que ainda resistem a esta solução, argumentando que a Comissão com menos comissários do que países resulta de um "equilíbrio institucional" com o conselho de ministros da UE que não pode ser alterado sem que, pelo menos, as suas consequências sejam debatidas pelos Vinte e Sete.
1,5%
do PIB da UE é o valor que Durão Barroso considera essencial fixar no combate contra a recessão económica