8.12.08

Crise mundial põe em causa novo relacionamento entre europeus e africanos

Ana Dias Cordeiro, in Jornal Público

Doze meses depois de Lisboa, o estado da economia faz repensar os novos conceitos.
Mas também pode ser uma ocasião para aproveitar as oportunidades que resistem à crise


A cimeira União Europeia-África, que há precisamente um ano juntou em Lisboa cerca de 80 chefes de Estado e de Governo europeus e africanos, marcou uma "viragem" nas relações entre os dois blocos. Mais do que uma reunião de resultados, a II cimeira UE-África (a primeira foi em 2000 no Cairo) ambicionou ser um momento de verdadeira mudança. Passado um ano, acções concretas são, pois, difíceis de quantificar. E a crise económica mundial veio "alterar dados".

Para uns, muito pouco se passou. Para outros, as reuniões que desde então se realizam periodicamente entre peritos dos dois continentes, troikas ministeriais, e representantes dos parlamentos europeus e pan-africano, bem como as próprias cimeiras previstas a partir de agora de três em três anos, são a prova de que "muito se faz" tendo como horizonte o "diálogo político" e "de igual para igual" instituído nessa cimeira.

Pela primeira vez, as relações passaram a assentar numa parceria estratégica conjunta e não num plano exclusivamente europeu para o continente. Pretendeu-se deixar para trás a ideia de que as relações se regem pela assistência a África.

Comércio e ajuda


O director do Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais (IEEI), de Lisboa, Fernando Jorge Cardoso, considera que o novo contexto mundial vem "alterar completamente" os dados. "A crise vai pôr em causa, durante algum tempo, o novo conceito de comércio em vez de ajuda", garante. "Se os fluxos de ajuda não aumentarem, o continente vai ter sérios problemas humanitários, com o encerramento de actividades económicas."

As prioridades serão forçosamente alteradas, considera, embora um documento elaborado pela Comissão Europeia "Um ano depois de Lisboa: a parceria União Europeia-África a funcionar", esclareça que "apesar da actual situação económica difícil", a UE "deve reafirmar os seus compromissos políticos e económicos com África".

Fernando Jorge Cardoso não tem porém dúvidas de que os países estão agora a preparar a próxima cimeira, prevista para 2010 na Líbia, partindo de novas bases. "Ninguém adivinhava que isto se ia passar", continua.

A crise atravessará profundamente o continente, defende, através da queda da procura de matérias-primas por parte dos países mais industrializados e das economias emergentes. O grande surto de crescimento - estimulado pelas exportações em que o principal comprador tem sido a China - vai ser quebrado. Mas também pela quebra do investimento na Europa e nos EUA que se vai reflectir em menos compras a África, prevê o investigador. Os próprios compromissos dos europeus em aumentar as suas contribuições de ajuda ao desenvolvimento (em função do PIB) dificilmente serão cumpridos.

João Belo, professor convidado de Estudos Africanos e Estudos Europeus na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e Universidade Católica, acredita que a crise "pode afectar" momentaneamente a concretização dos objectivos da cimeira, mas também pode ser aproveitada para se olhar mais para África por aí haver "muitas oportunidades de investimento e de emprego que as empresas e a sociedade civil dos países europeus devem saber aproveitar".

E lembra que em 2007 o Produto Interno Bruto global cresceu a um ritmo de 5,7 por cento em África. "Isto é muito importante", insiste, mesmo se "as previsões não são tão optimistas" para 2008 e anos seguintes, "as taxas de crescimento africanas serão sempre superiores às europeias". "Empresas e sociedade civil devem aproveitar esta dinâmica e envolver-se em projectos em África", recomenda.

E quanto a balanços, um ano depois da cimeira, opta por uma visão cautelosa e optimista. "Não se pode dizer que não se está a fazer nada", considerou João Belo.

Passo a passo


Para o especialista em assuntos euro-africanos, "um ano é um tempo muito curto" para avaliar resultados e tirar conclusões. O Plano de Acção, saído dessa cimeira "foi aplicado para se desenvolver ao longo de três anos". O que tem havido são discussões de onde podem sair respostas conjuntas para cada uma das oito áreas desse plano (Paz e Segurança, Governação Democrática e Direitos Humanos, Comércio e Integração Regional, Objectivos para o Desenvolvimento do Milénio, Ambiente, Energia, Imigração).

Por isso aconselha: deve olhar-se para a cimeira como se olhou para a construção europeia, com a ambição e a expectativa de algo que se constrói "passo a passo". E que embora seja difícil "quantificar acções concretas", tem havido reuniões e encontros e "reforçou-se o diálogo numa reunião em Novembro em Addis Abeba, que juntou os chefes da diplomacia da Tanzânia (país que preside à União Africana) e da França (UE). E diz-se convicto de que "do ponto de vista político, há intenção de cumprir compromissos".