20.1.09

Bruxelas prevê descida aos infernos para a economia europeia

Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público

Todos os países fundadores do euro estarão em recessão em 2009. As previsões apontam
para um decréscimo da economia nacional de 1,6 por cento, o dobro do valor estimado pelo Governo


A economia comunitária vai este ano viver uma das piores recessões das últimas décadas, que afectará pela primeira vez a zona euro, a totalidade dos seus onze países fundadores - Portugal incluído - e todas as grandes economias da União Europeia (UE).

Ao mesmo tempo, a taxa de desemprego vai voltar a disparar para os piores valores dos anos 1990 - 9,3 por cento este ano e 10,2 por cento em 2009 - enquanto que os défices orçamentais vão saltar de 0,6 por cento do PIB em 2007 para valores acima dos 4 por cento este ano e no próximo. Esta situação obrigará a Comissão Europeia a abrir brevemente uma catadupa de processos por défice excessivo contra os países com derrapagens para além dos 3 por cento do PIB.

Esta verdadeira descida aos infernos resulta das previsões económicas ontem publicadas pela Comissão Europeia, que decidiu antecipar o exercício em três meses para dar conta do agravamento súbito e acentuado de quase todos os indicadores desde os anteriores prognósticos, no início de Novembro.

Em pouco mais de dois meses, as previsões de Bruxelas passaram de um crescimento de 0,1 por cento tanto na zona euro como no conjunto da UE, para um crescimento negativo de 1,9 e 1,8 por cento, respectivamente.

Todos os grandes recuam

Todas as grandes economias europeias dentro e fora do euro - França, Alemanha, Espanha, Itália e Reino Unido - sofrerão uma contracção do PIB perto ou superior a 2 por cento, um valor que não era visto há muito. A Irlanda bate todos os recordes, passando de um crescimento meteórico de 6 por cento em 2007 para uma recessão de 5 por cento este ano. Ao invés, a Grécia e alguns dos novos Estados membros do Leste, excepção feita da Hungria e dos três Bálticos, são os únicos que escaparão este ano à recessão.

Para Portugal o crescimento de 0,1 por cento esperado para este ano em Novembro, deu agora lugar a uma contracção do PIB de 1,6 por cento. Este é um valor muito pior do que a previsão de crescimento negativo de 0,8 por avançada na semana passada pelo governo.

A única - e magra - consolação nesta frente é que Portugal terá uma recessão ligeiramente menos severa que a zona euro. Esta tendência chegará no entanto ao fim em 2010, ano em que, se as actuais políticas se mantiverem, Bruxelas considera que só dois países se manterão em recessão: Portugal e Espanha, com o mesmo crescimento negativo de 0,2 por cento.

Ao invés, o resto da Eurolândia já deverá contar com um crescimento modesto, embora positivo, de 0,4 por cento.

O recuo do crescimento europeu projectado para este ano resulta sobretudo de uma forte contracção esperada do investimento, em valores de 20 por cento na Irlanda, 12,7 por em Espanha, 11 por cento em Portugal e 10 por cento na Alemanha.

Por outro lado, a taxa de desemprego portuguesa vai continuar a crescer de forma acentuada para 8,8 por cento e 9,1 por cento da população activa este ano e no próximo. Já o défice terá um agravamento acentuado para 4,6 por cento este ano e 4,4 por cento no próximo, enquanto que a dívida pública vai disparar quase quatro pontos para 68,2 por cento e 71,7 por cento nos mesmos anos.

Segundo Joaquin Almunia, comissário europeu responsável pela economia e finanças, a expectativa de um início de retoma da actividade europeia já a partir do segundo semestre deste ano e de forma mais clara em 2010, resulta do efeito conjugado das "medidas de estabilização dos mercados financeiros, flexibilização da política monetária e planos de recuperação da economia" que foram adoptados nas últimas semanas por vários governos, no valor 1 por cento do PIB da UE (ou 130 mil milhões de euros) em 2009 e 0,5 por cento em 2010.

Este estímulo, em conjunto com o efeito estimado de 2 por cento dos estabilizadores automáticos (em que o aumento dos custos do desemprego e redução das receitas resultante da quebra da actividade económica não são compensados com reduções equivalentes das despesas), representarão um esforço orçamental de 4 pontos do PIB este ano e no próximo, calcula Almunia.

Cenário de retoma em risco

O comissário frisou no entanto que a concretização do cenário da retoma depende da "aplicação rápida e plena" das medidas de estímulo à economia mas, sobretudo, de uma normalização rápida do crédito. O que significa que se o crédito se mantiver apertado, o cenário macro-económico poderá ser ainda pior, avisou. Outra incerteza que pesa sobre as previsões é a evolução da economia mundial, que "atravessa a prior crise desde a primeira guerra mundial".

O único indicador com uma evolução positiva é a inflação, que, em resultado da travagem abrupta do crescimento, deverá cair do pico superior a 4 por cento em ritmo anual atingido em Julho passado na zona euro, para 1 por cento este ano.

Almunia rejeitou ainda como irreais os riscos de insolvência de algum país - como tem sido especulado a propósito da Irlanda - embora tenha considerado "normal" que os mercados tenham em conta os riscos e exijam um rendimento mais elevado dos empréstimos do Estado (spreads) nos países com défices e dívidas mais elevados. Isto, mesmo se reconheceu implicitamente que o agravamento das diferenças dos spreads dos países da zona euro desde Setembro, poderá pôr em risco a sua coesão. A este propósito o comissário sublinhou que "está de novo em discussão" a possibilidade de um grupo de países da eurolândia emitir dívida pública em comum, com "uma forma de garantia multilateral".

2009
Caso as previsões da Comissão Europeia se confirmem, será o ano mais difícil para a economia nacional. O PIB deverá recuar 1,6 por cento e o desemprego aumentar para os 8,8 por cento. O défice orçamental subirá para 4,6 por cento do PIB e a dívida pública ultrapassará os 68 por cento do PIB.

2010
Com a economia da zona euro já a recuperar, ainda assim, Portugal deverá continuar a recuar no próximo ano. O PIB deverá registar nova contracção, agora de apenas 0,2 por cento, no que apenas será acompanhado pela Espanha. Como resultado, o desemprego voltará a aumentar, desta vez para 9,1 por cento.