4.9.19

Portugueses encaram os problemas ambientais de forma genérica. E isso é “perigoso”

Rita Marques Costa, in Público on-line

É preciso trabalhar a educação para a sustentabilidade ambiental. Especialmente em matéria de incêndios e escassez de água, conclui o 2.º Grande Inquérito sobre Sustentabilidade.

Poluição, degradação do ambiente e alterações climáticas. São estas as principais preocupações dos portugueses no que diz respeito à sustentabilidade ambiental do país. Razão para concluir que estas inquietações ambientais são mais “marcadas pela cultura mediática, do que pela experiência directa dos problemas” em Portugal, dizem os investigadores do Observa – Observatório do Território, Ambiente e Sociedade, do Instituto de Ciências Sociais (ICS), responsáveis pelo 2.º Grande Inquérito sobre Sustentabilidade, apresentado nesta quarta-feira, em Lisboa. Por isso, lançam o alerta: a cultura ambiental está “num nível de generalidade perigoso”.

Duas irmãs, duas casas e uma história familiar
“A ideia de ambiente, quando pensada no contexto nacional, apresenta um perfil vago e até algo distorcido”, lê-se no documento em que são apresentados os resultados do inquérito. “Dir-se-ia que os portugueses dispõem de menos informação ambiental sobre o seu país do que sobre o mundo global, ou então que a têm mais desorganizada e distante de si.” Mas, mesmo assim, a “distância não significa negação”. Os problemas são reconhecidos e a necessidade de intervenção também.

Para fazer face ao potencial desconhecimento em relação à realidade portuguesa será preciso investir na educação para a sustentabilidade ambiental, sugere o relatório. Luísa Schmidt, uma das coordenadoras do inquérito, explica que “pode tornar-se perigosa esta incapacidade de ver dois problemas absolutamente centrais no país, um deles os incêndios e o outro a questão da seca, que também nos vai continuar a afectar”. São temas que “têm de ser muito mais trabalhados para que as pessoas se prepararem para eles”.

Mesmo assim, nem todos os inquiridos se preocupam de igual forma com o ambiente. A valorização deste tipo de questões está “correlacionada positivamente com níveis de educação mais elevados, rendimento mais altos e com a presença de menores no agregado familiar”, concluem os investigadores. A idade também importa: “As dimensões ambiental e económica da sustentabilidade são menos valorizadas pelos mais velhos (55-64 e mais de 65 anos) e são mais referidas pelos indivíduos mais jovens, em particular no grupo 35-44 anos”, lê-se no estudo.

Além do ambiente, os investigadores procuraram saber mais sobre outras dimensões associadas ao conceito de sustentabilidade. As questões sociais surgem em segundo lugar nas preocupações dos portugueses que identificam problemas como o aumento da pobreza e as desigualdades sociais.

Em seguida, surge o excesso de consumo, “tema que protagoniza destacadamente a dimensão económica da sustentabilidade”. A dimensão menos assinalada tem a ver com política e governação. Neste campo, “a sustentabilidade pode também ser um tema-chave para reaproximar a cidadania da vida política com particular enfase a nível dos poderes locais”.
No 2.º Grande Inquérito sobre Sustentabilidade (a primeira edição é de 2016) foram inquiridas 1700 pessoas, entre Novembro e Dezembro de 2018. A amostra, estratificada por região, género e idade, é representativa da população. O projecto é promovido pela Missão Continente, um programa da Sonae que é proprietária do PÚBLICO.

Mudar hábitos alimentares? Há vontade
Apesar de reconhecerem os diversos problemas ambientais e a necessidade de alterar alguns hábitos para fazer face a esses desafios, há uma coisa que ainda não mudou: a alimentação. Os investigadores identificaram uma “persistência ou muita lenta transformação nos hábitos de consumo e aquisição de alimentos”. Que se traduz, entre outras coisas, no peso “muito elevado” da proteína animal (carne, peixe, ovos e lacticínios) em relação a produtos hortícolas, frutas e leguminosas.

Quando os filhos não podem convidar os amigos para lanchar
Apesar da lenta transformação, há alguma vontade para transitar para uma alimentação de base vegetal, sobretudo entre as mulheres, os mais jovens, quem vive em contextos urbanos e quem tem o ensino superior.
Mónica Truninger, também coordenadora do estudo, explica que “uma coisa são as disposições para a mudança, outra coisa são todos os factores ao nível do contexto”, que podem estar a retardar essa mudança. Porquê? “As refeições vegetarianas muitas vezes até têm um preço mais elevado do que outro tipo de refeições”. Além disso, ainda há questões associadas à maior dificuldade na preparação e também a “ideia de que a carne é reconfortante, tem melhor sabor”. “Tudo isso tem de ser mudado”, diz a investigadora.

Ainda assim, entre os inquiridos, 5% já diz ter uma alimentação maioritariamente de base vegetal — sete ou mais refeições vegetarianas ao almoço ou jantar durante uma semana. Entre quem faz essas opções estão em maioria as mulheres, pessoas com o ensino superior e quem vive em contextos urbanos. Mas também quem tem rendimentos mensais baixos (600 euros ou menos) e mais elevados (2039 euros ou mais). “As pessoas com rendimentos mais altos por uma questão de saúde, mas também as que têm rendimentos mais baixos porque não conseguem aceder [a outros alimentos]”, lança Mónica Truninger.

“Quanto à escolha de produtos alimentares mantém-se o padrão de critérios de preferência e de lugares de aquisição. A relação qualidade-preço agregando frescura, aspecto, sabor e custo, prevalece associando-se a critérios sobre a origem do produto tanto nacional como local”, aponta o estudo.

Os locais onde os produtos são comprados também estão a mudar. Os supermercados de proximidade estão a sobrepor-se aos grandes hipermercados, “o que indicia uma progressiva valorização dos valores de proximidade e de confiança interpessoal”. Também tende a crescer “o recurso ao pequeno comércio e aos mercados locais”.

Plásticos são uma preocupação
O impacto dos plásticos na saúde e ambiente também fazem parte das preocupações dos portugueses — e até mais do que os outros europeus, mostram dados de um Eurobarómetro de 2017 sobre o tema. É “este elevado nível de preocupação que dá lugar à atribuição de grande importância ao desenvolvimento de um conjunto de medidas com o intuito de reduzir a presença de plástico no quotidiano, sendo que todas as medidas relacionadas com as responsabilidades de produtores/retalhistas, autoridades locais e sensibilização recebem apoio acima de 90%”.

Mesmo assim, quando se pergunta sobre o que já se faz para reduzir a utilização de plástico, só a reutilização de sacos ou embalagens trazidos de casa para comprar frutas ou legumes já foi adoptada pela maioria.

De novo, o nível de escolaridade surge como elemento diferenciador da disponibilidade para adoptar práticas de reutilização ou redução do uso de plástico, bem como coloca-las em prática. Entre 64% e 73% dos inquiridos com o ensino superior afirmou-se disponível para fazer essas mudanças.
No que diz respeito à presença de microplásticos nos peixes, “metade dos portugueses (54,6%) reconhece a existência do problema, mas apenas uma minoria integra esta informação nas suas escolhas quotidianas sobre o consumo de peixe (22%)”.

“Na sua vida quotidiana, sente que a crise económica já passou?” Mais de metade dos inquiridos (53,5%) no âmbito do 2.º Grande Inquérito sobre Sustentabilidade dizem que não. Para 29,8% a resposta é sim, já passou. E 16,8% afirmam que não sabem.

Além das questões focadas no ambiente, alimentação e saúde, os investigadores do Observa – Observatório do Território, Ambiente e Sociedade, do Instituto de Ciências Sociais (ICS) também fizeram questões sobre sustentabilidade económica.

Nem roupas, nem cosméticos, nem alimentos de origem animal
Para Luísa Schmidt os resultados mostram que permanece “uma desconfiança, uma sensação de insegurança” de uma parte significativa da população. Essas pessoas que se mostram “mais inseguras em assumir o fim da crise” são quem “aufere menores rendimentos, vive em meio rural, os mais velhos, e os que têm menor escolaridade, lê-se no relatório em que são apresentados os resultados do inquérito.
Consequentemente, essa sensação de que a crise ainda não passou reflecte-se numa “prudência” em relação a determinados hábitos de consumo.

Outro “aspecto onde esse trauma se manifesta, é a reorientação das prioridades de consumo”, aponta o relatório. “Comparando com o inquérito anterior [de 2016], as prioridades passaram a ser, entre os mais velhos, a saúde enquanto expressão de segurança ontológica e, entre os mais novos, o sustento pessoal sobretudo expresso em acesso ao emprego.

Os perfis dos consumidores traçados pelos investigadores do Observa mostram que a crise “está a instalar consequências profundas” nos hábitos de consumo. “Em 2016, o perfil com o qual os portugueses se identificavam mais era o constrangido”, nota Mónica Truninger.

“Este ano, aparece algo que nós já tínhamos detectado, mas que agora se afirmou muito claramente. Por um lado, aqueles que têm menos rendimentos, mais dificuldades económicas, acabam por se identificar mais com o consumidor constrangido — ou seja, que faz as suas compras a pensar no dinheiro que tem na carteira. Depois, há um conjunto de perfis que está a surgir que são quem está a tentar utilizar menos recursos materiais — são os mais jovens, os mais escolarizados e as mulheres.” Em comum, têm o impacto que essa redução do consumo tem no ambiente.

E se os “valores ecológicos estão completamente instalados na sociedade portuguesa” também é verdade que alguns comportamentos associados a alguns hábitos de consumo mais sustentáveis são reflexo da crise. “Transformou-se a necessidade em virtude e acabou por se criar alguns hábitos que vieram para ficar”, aponta Luísa Schmidt.