Sofia Branco, in Jornal Público
Acordos de Parceria Económica acabaram por ser a nota dissonante do encontro.
Sudão e Zimbabwe sob pressão por desrespeito dos direitos humanos
Durão Barroso citou Vinicius de Moraes para assinalar os "encontros e desencontros" das relações UE-África
a União Europeia (UE) e União Africana (UA) disseram e repetiram. A segunda cimeira oficial entre os dois continentes é "um marco", porque representa "um novo espírito" de relações e assinala "uma mudança radical" no discurso e, esperam, na prática.
Lado a lado na conferência de imprensa final, que durou cerca de uma hora, José Sócrates, presidente em exercício da UE, e John Kufuor, presidente em exercício da UA, não divergiram na análise dos "resultados" da cimeira que juntou este fim-de-semana, em Lisboa, os chefes de Estado e de Governo europeus e africanos.
"Qualquer que seja o ponto de vista", realçou Sócrates, "esta cimeira foi, sem dúvida, histórica". "Haverá um antes e um depois", frisou o primeiro-ministro português, sublinhando que a cimeira "não foi apenas um encontro político de alto nível", mas gerou também "um movimento" social, abrindo-se às organizações não-governamentais, às empresas, aos jovens, aos autarcas, aos sindicatos.
A interrupção de sete anos no "diálogo político" entre os dois blocos "não fazia sentido e era altura de recomeçá-lo". Sem "impunidade" nem "imposição" e com "sentido de urgência e compromisso", acrescentou Kufuor, apelando a que os encontros passem agora a ser "mais e regulares".
Em vez dos direitos humanos, prognosticados como o calcanhar de Aquiles do encontro, foram os Acordos de Parceria Económica (APE) que acabaram por dar o toque dissonante, com alguns Estados africanos, nomeadamente o Senegal - cujo Presidente foi o único a realizar duas conferências de imprensa abertas a toda a comunicação social -, a deixarem claro que consideram as propostas europeias inaceitáveis.
Muito questionado sobre os APE, Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, tentou esvaziar a discussão, reconhecendo as divergências de "dois ou três países" e garantindo que a UE "continua aberta a conversações". Os APE são "uma boa oferta" e "é óbvio que o sistema actual [de relações económicas bilaterais] não funciona", insistiu.
Zimbabwe e Darfur
Não houve "temas incómodos ou esquecidos", resumiu Sócrates. "Ainda há problemas", mas também "há progressos" na promoção dos direitos humanos e da democracia em África, avaliou Barroso. No mundo global, "muito transparente, não há nada que se possa esconder", avisou Kufuor. Muitos dos problemas de África resultam de "má governação", reconheceu Alpha Konaré, presidente da comissão da UA. Mas África está a mudar - para seu benefício e não da Europa, vincou, realçando que entre os dois blocos, "há pontos de desacordo, mas não há ruptura".
Rejeitando a "fatalidade" da pobreza em África e apelando aos líderes africanos para que reconheçam os erros, Konaré pediu também aos europeus para não olharem para o continente apenas "como um mercado" e congratulou-se com a decisão da UE de nomear um embaixador junto da UA, em Addis Abeba.
Zimbabwe e Darfur mantiveram-se no centro do interesse mediático, mas a pressão diplomática colocada sobre um e sobre outro teve uma força diferente. No primeiro caso, UE e UA manifestaram o desejo de ver "uma evolução política", que venha "de dentro", reiterando, nesse sentido, o apoio aos esforços da Comunidade para o Desenvolvimento do Sul de África, que tenta dialogar há alguns anos com o regime de Robert Mugabe para solucionar a crise no país. "Vai levar tempo a que a normalidade seja retomada", estimou Kufuor.
Sobre o Darfur, Sócrates repetiu que o já assinado acordo de cessar-fogo entre as partes sudanesas em conflito "continua a ser a base para a resolução do problema" e que é necessário "que a força híbrida se constitua o mais rapidamente". "Não há tempo a perder", frisou.
"Toda a vida é feita de encontros e desencontros." Barroso citou Vinicius de Moraes, para dizer que Lisboa "foi uma ponte de encontro". "Espero que os líderes cumpram agora os seus compromissos", apelou, destacando que o plano de acção e a estratégia conjunta Europa-África, aprovados pelos 27 Estados europeus e pelos 53 países africanos presentes, têm uma validade de três anos e mecanismos de follow up que permitem às comissões europeia e africana monitorizarem a sua aplicação.