Helena Teixeira da Silva, in Jornal de Notícias
Paulo trata da mãe, que está cega, e de duas sobrinhas. "Estou desesperado", desabafa o jovem
Aos 15 anos, Paulo, o mais novo de três irmãos, convenceu a mãe a divorciar-se. "Cheguei a ver o meu pai apontar--lhe uma arma à cabeça e lembro--me de lhe pedir para me matar antes a mim", recorda. "Jogo e mulheres, sabe como é", justifica a mãe, submissa Margarida, 57 anos, quase sete de cegueira derivada dos diabetes. Incapacitada.
Sentada na cozinha de casa, em Rio Tinto, Gondomar, parca em palavras, sem poder trabalhar, tem uma única preocupação "Os inquilinos do café, no rés-do-chão, não me pagam a renda há cinco anos. E o dinheiro faz-nos tanta falta". Chora. Aliás, dona Margarida tem outra preocupação: recusa ser colocada numa instituição, apesar de necessitar de cuidados continuados. Já teve um enfarte, já amputou um dedo, sofre de insuficiência renal, vai começar a fazer hemodiálise. E teme que o Estado não a ajude (ler rodapé).
"Tio, posso comer bolo?"
Aos 22 anos, Paulo Cunha, caloiro de Psicopedagogia, foi à Casa do Caminho buscar a sobrinha Joana, ainda bebé, que havia sido retirada à mãe, ela e o irmão - o rapaz foi acolhido por uma prima - por negligência. "Ela deixava-nos sozinhos, sem comida, embrulhados em plástico e ia embora", conta a criança, a quem nada foi escondido, enquanto dispara perguntas sobre tudo. "Tio, posso comer um bolo?"; "Tio, o que quer dizer fatal?"; " Tio, onde está o casaco da avó?". O tio responde a tudo devagar, com paciência. Experiência acumulada de acolher, desde o nascimento, as gémeas, Ana e Bárbara, 15 anos, filhas da mesma mãe de Joana, mas de pai diferente, cuja guarda solicitou também à Segurança Social.
Aos 30 anos, Paulo, psicopedagogo pós-graduado, está no limite das forças. "Desesperado". Nunca teve vida pessoal, mas não é isso que lamenta. Desempregado - tem apenas um 'part-time' num 'call center', à noite - , é mãe e pai da própria mãe, que depende dele para tudo. E pai e mãe das duas sobrinhas. Eram três, mas uma das gémeas, cansada de prescindir da adolescência para ajudar a tratar da avó - mudar a fralda, dar-lhe banho... -, preferiu, há um mês, experimentar a casa do pai. "Mas já está arrependida", assegura a avó.
Paulo não critica a sobrinha. Mas sente que as portas institucionais, conhecendo o drama familiar, em vez de se abrirem, começam a fechar-se. "Da Acção Social de Gondomar, disseram-me que estavam fartos do nosso caso e fartos de gastar dinheiro connosco". Antes sequer de ter sido disponibilizada uma cadeira de rodas, uma cama articulada ou uma "prestadora com formação" para auxiliar a mãe em casa.
A vida de Paulo não poderia ser mais contraditória não tem filhos biológicos, mas frequenta semanalmente um grupo de mães; faz o que pode para educar e alimentar a família, mas sente que falha. "Vivo às custas das minhas sobrinhas quando deveria ser eu a ganhar para elas".
O orçamento mensal é uma adição de subsídios 400 euros por acolher as crianças; 480 por prestação de serviços à Segurança Social, dos quais tem que deduzir 150 para impostos; 150 euros pelo complemento de dependência da mãe, mais 150 de pensão. Tudo somado, dá 1030 euros.