9.12.07

Não houve cedências a Mugabe e direitos humanos ficam no centro da nova parceria

Teresa de Sousa, in Jornal Público

Sócrates vence aposta da presidência portuguesa, reabrindo diálogo interrompido há sete anos


José Sócrates cumpriu o prometido. Não houve assuntos tabu no primeiro dia de trabalhos da cimeira entre a União Europeia e África que trouxe a Lisboa delegações de 80 países dos dois continentes. Para um "reencontro histórico" que deu à presidência portuguesa mais uma vitória no cumprimento da sua agenda.

Na intervenção de boas-vindas com que abriu os trabalhos, nenhuma questão polémica ficou por apontar. Do Zimbabwe ao Darfur, o primeiro-ministro português e presidente em exercício do Conselho Europeu lembrou que os direitos humanos, "que não são património de nenhum continente mas de toda a humanidade", têm de estar "no centro da nossa estratégia comum". E referiu pelo nome a questão que envenenou o diálogo político entre os dois continentes, ao ponto de ter levado sete anos para retomá-lo, depois da primeira cimeira realizada no Cairo: um homem chamado Robert Mugabe que preside a um país chamado Zimbawe. "Esta foi uma cimeira adiada tempo de mais e todos conhecemos a razão."

Depois de Sócrates, e a várias vozes, com relevo particular para a da chanceler da Alemanha, a União Europeia conseguiu deixar uma mensagem forte sobre o Zimbabwe e, por essa via, colocar a questão dos direitos humanos no centro do novo quadro político que deve enformar as relações entre os dois continentes.

"A situação do Zimbabwe diz-nos respeito a todos, na Europa e na África. Não temos o direito de olhar para o lado quando os direitos humanos são espezinhados", disse Angela Merkel, a quem coube, pelo lado europeu, apresentar o ponto dos trabalhos respeitante à democracia e ao bom governo. É "a imagem de uma nova África" que o Zimbabwe está a pôr em causa, advertiu. Para concluir: "Não apontamos o dedo, aprendemos e queremos partilhar isso com vocês".

A questão voltaria quase sempre às intervenções de outros líderes europeus. Na perspectiva de "uma relação madura e aberta", como diria Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, que não teme discutir aquilo que tem de ser discutido.

"Viragem histórica"

Exorcizada da melhor maneira a questão que chegou a pairar como uma ameaça à realização desta cimeira - Sócrates lembrou como foi preciso vencer "o temor e o cepticismo" de muitos para chegar a Lisboa -, os chefes de Estado e de Governo dos dois continentes puderam, cada um a seu modo, falar de "viragem histórica" e de um novo ciclo das relações entre os dois continentes. Desta vez, e ao contrario do Cairo, sem recriminações nem ressentimentos. Ou pelo menos relegando-os para um nível lateral no discurso político.

"Quebrou-se o gelo de uma relação bloqueada do ponto de vista estratégico e político por demasiado tempo", sintetizou o chefe da diplomacia portuguesa no final dos trabalhos. "Passou-se para uma nova fase."

Na sala ao lado, o Presidente francês, Nicolas Sarkozy, fazia a sua própria síntese. "Os destinos da Europa e de África estão indissoluvelmente ligados. O fracasso de um será o fracasso do outro, o êxito de um o êxito do outro." Com a sua franqueza habitual, lembrou que acabou o tempo, para os africanos, de se escudarem no passado para não assumirem as suas responsabilidades do presente. "Pedem-nos que intervenhamos e depois criticam-nos por intervirmos."

Sócrates tinha lembrado que uma parceria entre iguais também significa que todos são igualmente responsáveis "perante a História e perante os povos que representam".

Dívidas do colonialismo?

Muammar Kadhafi ainda falou das dívidas do colonialismo. O Presidente da União Africana, o líder ganês John Kufuor, ainda lembrou os séculos de escravatura e de colonização, antes de, ele também, sublinhar a importância de olhar para a frente. "Para corrigir esta injustiça histórica."

A África sente-se hoje mais forte para negociar com a Europa os termos de uma nova cooperação política. Outras potências, como a China, disputam directamente aos europeus influência e negócios, com a "vantagem" suplementar de dispensarem qualquer discurso sobre direitos humanos ou bom governo. O facto também sublinha a oportunidade da realização desta cimeira. O primeiro-ministro português voltou a dizer que ela era uma questão "urgente". A participação de quase todos os líderes africanos e o claro empenho político de Angela Merkel e de Nicolas Sarkozy acabaram por dar-lhe razão.

Hoje, os líderes europeus e africanos vão aprovar formalmente os documentos que visam selar esta nova parceria. Mas a história desta cimeira está praticamente feita.