Raquel Almeida Correia, in Jornal Público
O comissário dos sete ofícios
De passagem por Lisboa, onde apresentou a nova campanha de sensibilização para os direitos dos trabalhadores desenhada por Bruxelas, apresenta resultados concretos do diálogo social europeu. O consenso sobre os princípios europeus de flexi-
-segurança mantém-se agendado para Dezembro, embora Spidla não conte com "100 por cento de unanimidade".
Que balanço faz da existência do diálogo social europeu?
Um dos motivos pelo qual a construção europeia é excepcional é o facto de ter um dos diálogos sociais mais fortes do mundo. Dá-nos a possibilidade de equilibrar os interesses dos trabalhadores e do patronato, em situações que a legislação actual ainda não prevê. Veja-se o caso de Israel, que, ao adoptar um modelo semelhante ao europeu, tendo como base o diálogo entre as duas forças, conseguiu crescer economicamente. Os empresários do país disseram-me, há cerca de cinco anos, que essa evolução se ficou a dever à diminuição das greves e dos conflitos laborais, por vezes, muito violentos.
Quais são, actualmente, os maiores pontos de discórdia entre os trabalhadores e os patrões europeus?
Não há grandes conflitos. Há alguns pontos que geram mais discussão, como a questão das horas de trabalho, da conciliação entre a vida pessoal e profissional e da estabilidade. O mais importante é que tem havido sempre capacidade para chegar a um acordo, como aconteceu, em Novembro, com o sector marítimo, que pediu à Comissão Europeia que criasse uma proposta de directiva para transformar as normas para as condições laborais dos trabalhadores em legislação. E também com o sector mineiro, para o qual foi estabelecido um acordo entre os vários parceiros, em Abril do ano passado, reduzindo a exposição às poeiras de silício cristalino, susceptível de gerar uma doença mortal, nas minas e unidades de produção. Estava a ser difícil encontrar uma legislação adequada para proteger os trabalhadores. Só o diálogo social permitiu encontrar soluções suficientemente flexíveis, como a criação de um comité de monitorização para resolver questões sobre a aplicação e interpretação do acordo.
De que outra forma pode a Comissão Europeia fomentar o entendimento?
Podemos fazer muito. Conferências, divulgação, dar mais voz aos parceiros sociais e levá-los a sério. Podemos também utilizar a legislação europeia para facilitar o diálogo.
O consenso sobre os princípios comuns de flexi-segurança na Europa continua agendado para Dezembro?
Sim. Já está praticamente reunido e será alcançado este mês. As principais linhas são o emprego activo, a aprendizagem ao longo da vida e as políticas de trabalho equilibradas. Estamos no bom caminho. As posições dos vários parceiros sociais são favoráveis, mas ainda há algum trabalho pela frente. Nunca teremos 100 por cento de unanimidade.
Que modelo específico deveria ser adoptado por Portugal?
A prioridade é, sem dúvida, a aprendizagem ao longo da vida. Há problemas a esse nível.
Como avalia as políticas de trabalho do Governo português?
Foram feitas reformas importantes. Não me compete fazer esse tipo de avaliação, porque cada país é um país, com os seus problemas específicos. A Polónia tem elevados índices de desemprego. A Eslováquia tem o problema do desemprego de longa duração. E Portugal o abandono escolar e a inexistência de aprendizagem ao longo da vida. Em todos os casos, é preciso agir rapidamente.
Como é que a Europa poderá diminuir os índices de desemprego tendo em conta a ameaça dos países emergentes?
Essa é uma questão importante, mas a verdade é que a taxa de desemprego tem estado a diminuir. Quando a Comissão começou o seu trabalho, havia 20 milhões de desempregados e hoje há 12 milhões. Uma redução de cerca de oito milhões é muito significativa. De qualquer forma, essa continua a ser uma das nossas grandes preocupações. A Estratégia de Lisboa é, já por si, uma resposta ao problema da globalização, uma vez que defende uma Europa competitiva em termos da qualidade da mão-de-obra e não de salários baixos e condições precárias. É preciso fazer mais, sem dúvida. Mas também não se pode cair no erro de defender o mercado de trabalho europeu de uma forma demasiado proteccionista.
Segundo o eurobarómetro da Comissão Europeia, o trabalho não declarado está a aumentar na Europa. Como avalia este fenómeno?
É claro que o trabalho clandestino existe. Representa perto de 15 por cento do mercado europeu, o que é significativo. Os países em que há níveis de trabalho não declarado mais baixos são, por exemplo, a Áustria e a Dinamarca, que já adoptaram o conceito de flexi-segurança. A clandestinidade laboral é um fenómeno que afecta muitos imigrantes e a Comissão Europeia tem tentado lutar contra isso, sobretudo pela exploração humana que significa.
Que Estado-membro detém as melhores políticas em termos e trabalho?
Não há como responder a isso. E não estou apenas a ser diplomático. É complexo, porque é possível encontrar bons exemplos por toda a Europa, de acordo com o contexto em que se inserem. De qualquer forma, os melhores resultados registam-se nos países nórdicos, na Áustria, nos Países Baixos e no Reino Unido.
Foi construtor civil, serralheiro e cenógrafo. Quando terminou a licenciatura em História e Pré-história, na Universidade de Praga, em 1976, "as pessoas respeitáveis não construíam carreiras brilhantes na República Checa", explica Vladimir Spidla. 26 anos depois, tornou-se primeiro-ministro do país, ao serviço do partido social-
-democrata CSSD. A experiência durou até 2004, altura em que aceitou o desafio de ocupar o lugar de comissário do Emprego, dos Assuntos Sociais e da Igualdade de Oportunidades. Checo de nacionalidade, europeu de vocação, Vladimir Spidla, de 56 anos, tem a difícil tarefa de gerir os interesses dos Estados-membros (e dos seus trabalhadores e patrões) em questões como a flexi-segurança. O comissário acredita na "capacidade para chegar a acordo", com base no diálogo social europeu.
"A prioridade é, sem dúvida, a aprendizagem ao longo da vida", diz o comissário europeu Vladimir Spidla.