Ricardo Garcia, in Jornal Público
Ainda incompleta, a primeira avaliação do Programa Nacional para as Alterações
Climáticas já está divulgada. Há medidas em bom ritmo, mas outras estão atrasadas
O discurso é optimista. O Governo tem repetido, nos últimos dias, que Portugal vai cumprir o Protocolo de Quioto, mesmo que para isso tenha de comprar, no exterior, direitos de poluição. Mas, a um mês de Quioto começar a sério e enquanto as Nações Unidas discutem em Bali, a partir de hoje, o que fazer a seguir (ver Mundo, pág. 20), a realidade nacional não é tranquilizadora.
Não só as emissões de dióxido de carbono do país continuam elevadas (ver infografia) como muitas das medidas para as reduzir, contidas no Programa Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC), estão atrasadas.
O Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional só agora começa a ter uma visão mais clara de como se está a comportar o PNAC. A primeira avaliação semestral do cumprimento do programa ficou pronta no sábado passado. E ainda é muito incompleta, com alguns ministérios a falharem na apresentação de dados conclusivos.
Das 41 medidas previstas no PNAC, o Ministério do Ambiente recebeu informação sobre o andamento de 28. E, desse conjunto, só 11 relatórios são considerados bons, sete são médios e dez são insuficientes, segundo a Agência Portuguesa do Ambiente.
"A monitorização está a funcionar, embora com algumas imperfeições", afirma o secretário de Estado do Ambiente, Humberto Rosa. É ainda o primeiro exercício de monitorização, justifica, e o Governo tem andado muito ocupado com a presidência da União Europeia. "Mas estou satisfeito com a percepção de que os ministérios estão empenhados nas suas medidas", completa.
O melhor e o pior
Uma das áreas onde os dados são mais claros é a da energia. Sabe-se que a taxa de electricidade produzida a partir de fontes renováveis está nos 37,6 por cento. A meta que o Governo quer atingir em 2010 é 45 por cento.
Muitas das medidas do PNAC estão em boa marcha. A potência já licenciada de parques eólicos era de 3273 megawatts (MW), até Abril passado. A meta é 5100 MW até 2012.
A reforma da tributação automóvel, em que carros com mais emissões de dióxido de carbono pagam mais imposto, está feita. A introdução dos biocombustíveis, uma medida de peso, está a ser promovida por incentivos fiscais. A construção do metro do Porto e a melhoria da oferta da CP na região já pôs mais gente a andar de comboio no Norte.
Mas outras acções deixam a desejar. Na área dos transportes, há um misto de situações, com várias medidas atrasadas ou com resultados muito modestos. Alguns relatórios não têm "o nível de informação pretendida", segundo a Agência Portuguesa do Ambiente.
A medida de maior peso nessa área no PNAC era a operacionalização das autoridades metropolitanas de transportes, o que ainda não aconteceu. "Isto está completamente a zero", avalia Francisco Ferreira, da associação ambientalista Quercus.
Nas florestas - área em que o PNAC
foi recentemente considerado demasiado optimista pela Comissão Europeia - também os dados não são animadores. As duas medidas avaliadas pelo Ministério da Agricultura até agora - a gestão sustentável das florestas e o aumento da sua capacidade de absorção de carbono - não estão a cumprir o calendário previsto.
Nos fogos, a situação dos últimos dois anos foi positiva, com áreas ardidas abaixo dos 100 mil hectares admitidos no PNAC, devido sobretudo a condições meteorológicas favoráveis.
Atrasos comprometem
O primeiro período de cumprimento do Protocolo de Quioto (2008-2012), em que Portugal vai fazer contas às suas emissões, começa já em Janeiro próximo.
Mas há acções do PNAC que, por se terem atrasado, só irão surtir efeito mais tarde. Em média, previa-se a instalação de 100 mil metros quadrados de painéis solares por ano, já a partir de 2007. Mas na avaliação desta medida constam apenas 19 mil metros quadrados instalados em 2005. E as expectativas do sector para 2007 não vão além dos 40 mil a 45 mil metros quadrados.
A certificação energética dos edifícios também vai começar a funcionar em pleno mais tarde, só em 2009. "Até lá, a capacidade desses regulamentos obterem ganhos de emissões é muito limitada", afirma Daniel Borrego, da Faculdade de Ciências de Lisboa, que está ligado ao projecto Fórum Português Pós-Quioto, que também está a fazer um balanço do PNAC.
O Ministério do Ambiente não descarta a possibilidade de derrapagem de algumas medidas do PNAC. Se isso acontecer, serão lançados planos de contingência para as medidas em falta, ou procuradas acções alternativas. Em último caso, o país alargará os cordões à bolsa, e comprará mais direitos de poluição através do Fundo Português de Carbono.