Sérgio Aníbal, in Jornal Público
De acordo com o FMI, uma recessão global acontece quando o PIB a nível mundial cresce apenas três por cento ou menos
A "Quando a América espirra, o mundo constipa-se", habituaram-se a dizer durante décadas os economistas de todo o mundo. Nos últimos anos, houve quem ousasse duvidar desta ideia, devido à emergência de novas potências na Ásia e ao recente fortalecimento da procura interna na Europa. Mas a verdade é que a actual crise económica, iniciada nos EUA e já a espalhar-se pela Europa e Ásia, se está a encarregar de convencer os mais cépticos e a tornar cada vez mais comum, na boca dos analistas, a expressão "recessão global".
Alan Greenspan, o anterior presidente da Reserva Federal, foi o último a juntar-se a este grupo. "Alguma forma [de recessão global] é inevitável mais tarde ou mais cedo", afirmou.
A definição mais oficial que existe para uma "recessão global" - sugerida pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) - é a de um crescimento da economia à escala mundial de três por cento ou menos. Tal aconteceu em 1993, 1998 e 2002. Em 2007, o Globo viu o seu PIB aumentar em 4,7 por cento, mas este ano tudo indica que o cenário se irá deteriorar fortemente, colocando mesmo em risco a barreira dos três por cento de crescimento.
Tudo começou nos EUA - o país onde a crise está numa fase mais adiantada -, mas os sinais de contágio para o resto do Globo são cada vez mais evidentes. Na Europa e na Ásia, as expectativas dos agentes económicos deterioraram-se muito rapidamente e o aperto no crédito começou logo a fazer-se sentir, o que, em conjunto, deu já início a um abrandamento, ainda ligeiro, da actividade económica. Nos mercados esse pessimismo também se faz sentir, contribuindo ainda mais negativamente para a própria evolução da economia.
Mas o pior do contágio ainda está para vir, avisam os analistas. A economia norte-americana tem um peso de 21 por cento no Globo e, em termos de consumo, a sua importância ainda é maior. Por isso, serão muito poucos os países a conseguir escapar a um impacto negativo nas suas exportações caso os norte-americanos deixem de consumir tanto como têm feito na última década.
As potências emergentes como a China serão, pelo peso que o mercado externo tem nas suas economias, das mais afectadas, sendo pouco provável que consigam, como alguns esperavam, salvar o mundo desta situação.
Não são por isso de estranhar os sinais de preocupação dos responsáveis políticos. Nos EUA, Democratas e Republicanos uniram-se para aprovar um pacote de estímulo económico, o FMI já admite maiores défices públicos e, na Europa, os quatro maiores países fazem reuniões de emergência para encontrar uma solução.
EUA: a origem do desequilíbrio
É na maior economia do mundo que tudo está a começar. Apesar da forte reacção das autoridades (com descida de taxas e medidas de apoio orçamentais), neste momento, um cenário de recessão nos EUA já é considerado quase inevitável. O principal problema está no consumo. As famílias norte-americanas estão com dificuldades em fazer face a uma combinação de factores negativos que incluem a queda dos preços das casas, o desempenho mais fraco das bolsas e a subida do desemprego. O alastramento da crise no mercado subprime a outros segmentos do crédito é também considerado provável, o que pode agravar o volume de perdas registadas pelos bancos e acentuar as restrições à concessão de empréstimos.
Europa: contágio pelos bancos
A Europa (na foto, o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet), que nos últimos dois anos registou um dos melhores desempenhos das últimas décadas, ainda apresenta no início deste ano uma economia capaz de crescer, mas os sinais de que não está imune ao contágio negativo da crise norte-americana avolumam-se. O primeiro canal foi o sector financeiro. Os bancos europeus sofreram com a exposição ao mercado subprime e já aplicam maior aperto no crédito concedido a empresas e consumidores. Estes, por sua vez, já têm os seus níveis de confiança perto dos mínimos, o que faz antever uma quebra do consumo e do investimento. As exportações, também prejudicadas pelo euro forte, deverão ser as próximas a ser afectadas. Alguns países como a Irlanda, Espanha e Reino Unido estão em situação muito vulnerável devido à recente expansão dos preços que se registou nos seus mercados imobiliários. Portugal, com agentes económicos muito endividados e a economia dependente das exportações para crescer, está entre os países que mais podem sofrer se se concretizar uma recessão à escala mundial.
Ásia: o risco de perder as exportações
Na Ásia estão as grandes esperanças para compensar o abrandamento dos EUA. Ásia e China ainda estão a crescer a um ritmo superior a 10 por cento ao ano. No entanto, se a procura nos EUA abrandar, estes países estarão precisamente entre os mais afectados, já que são muito dependentes das exportações. Um acréscimo forte do consumo nas suas volumosas populações ainda demora a chegar. No Japão, entretanto, já se prevê uma contracção do PIB no início do ano, motivado especialmente pela quebra do mercado imobiliário.