Luís Filipe Sebastião, in Jornal Público
Câmara de Cascais leva a cabo demolições debaixo de operação policial musculada, sem que todos os moradores tenham habitação alternativa
13 das 15 barracas já foram demolidas. Sete famílias foram realojadas. Até 15 de Fevereiro serão demolidas mais nove barracas e realojadas sete famílias. Estima-se que 30 "isolados" não tenham garantido alojamento.
a Isabel olha fixamente para o monte de escombros a que já chamou casa. Em poucos minutos, a máquina escavadora deitou-lhe abaixo as paredes precárias, cobertas com chapas de zinco, que habitava no bairro do Fim do Mundo. A Câmara de Cascais demoliu ontem mais 13 barracas, mas apesar das garantias municipais de que nenhuma família ficaria sem tecto, várias pessoas deixaram de ter onde morar.
A moradora, que tem quatro filhos na Guiné, vivia sozinha numa barraca do degradado bairro junto à Galiza. Isabel tenta evitar que os olhos se derramem em lágrimas. Não sabe que destino dar aos parcos haveres, amontoados ao lado do entulho acabado de produzir pela Caterpillar. "Dizem que posso ir para uma pensão. Mas até quando?", questiona-se a guineense, a residir no bairro há sete anos. Sem estar incluída no Programa Especial de Realojamento (PER), também não conta como família, entrando nos chamados "isolados". Estima-se que estes casos ultrapassem uma centena. São a população "flutuante" do que resta do bairro clandestino encavalitado numa encosta virada para umas quantas mansões do Estoril.
"Não existe uma política de habitação social que permita às pessoas de fracos rendimentos ter acesso a uma casa", comenta Rita Silva, do Grupo Direito à Habitação, da Associação Solidariedade Imigrante, enquanto a máquina vai demolindo as barracas, protegida de pouco mais de uma dezena de moradores por um forte aparato da polícia de choque. "A Câmara de Cascais só leva em conta a família cristã e esquece que muitos imigrantes vivem sozinhos", lamenta a activista, apontando como exemplo os casos de quem deixou a família no seu país ou quem, desde o recenseamento do PER, há 15 anos, se separou de um agregado porque atingiu a maioridade. "Não estamos a pedir que a câmara dê uma casa às pessoas, mas que garanta uma política de habitação". Uma reivindicação que a associação, juntamente com duas dezenas de moradores, levou durante a tarde aos Paços do Concelho. A recebê-los, mais uma vez, apenas um forte dispositivo policial.
O vereador da Habitação, Manuel Andrade, reafirma o compromisso de que as famílias, inscritas ou não no PER, não fiquem sem tecto. Quanto aos "isolados" - situação das 26 pessoas que a associação estima que tenham ficado na rua -, o autarca considera que "tem de ser o Estado a resolver o problema". Isto, apesar de os serviços camarários se disponibilizarem para apoiar nas candidaturas à comparticipação de rendas pelo Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana.
Segundo Manuel Andrade, depois da operação em curso, restarão apenas para demolir 40 barracas no Fim do Mundo, com o realojamento de 49 famílias. Uma vez que se estima em mais de uma centena os moradores "isolados", muitos ficarão na rua.