Sílvia Maia, in Jornal Público
260 casos de mendicidade foram sinalizados em 2006, segundo um relatório da Comissão Nacional de Protecção de Crianças em Risco divulgado no ano passado. Carência económica e "criminalidade organizada ligada à exploração de crianças" estarão na sua origem, diz Ricardo Carvalho, secretário-executivo da comissão.
a Tinha quatro anos quando os pais o mandaram ganhar dinheiro para as ruas de Lisboa. Nos últimos nove foi mendigo, de acordeão às costas, com a cadela Estrela presa por um fio. Tem 15 anos e sonha ser piloto de ralis.
Há anos que o ritual se repete. Diariamente, T. chega à Rua Augusta por volta das 10h00. No início, ia pela mão dos pais, mas há muito que vai sozinho. Desde os 12 anos que tudo o que ganha é só para ele. À mãe e aos seis irmãos não dá dinheiro nem satisfações. Tornou-se independente e aprendeu na rua o que a escola não lhe ensinou. O adolescente, baixinho, corpo robusto, é um dos 260 menores sinalizados em 2006 pelas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) como estando em "situação de perigo atribuível à prática da mendicidade".
T. sonha mudar de vida. Planeia deixar de pedir esmola como quem projecta mudar de emprego. Não por necessidade financeira, até porque, em média, faz 40 euros por dia, qualquer coisa como 1200 euros mensais. Mas reconhece que é cada vez mais difícil fazer dinheiro".
Quando começou a mendigar, achavam-lhe "graça". A ele e à cadela anã, que o acompanha desde o primeiro dia. Entretanto, os anos passaram, o menino cresceu e hoje é um adolescente com "idade para trabalhar" - como costumam dizer-lhe. Só a amestrada Estrela, que segura durante horas a fio a caixinha de moedas com o focinho, continua a seduzir turistas e visitantes que passam na agitada rua da capital.
Não tem poiso fixo porque ali passam vezes sem conta agentes da polícia. "Passam a vida a mandar-me embora, a dizer que não posso estar aqui", desabafa o rapaz. Diz que nunca foi maltratado, apesar de já ter "visitado a esquadra várias vezes" e ter andado pelos tribunais por causa de "umas senhoras que queriam que fosse para um colégio".
Não foi para o colégio, mas também não se manteve na escola. "Fui expulso este ano", admite o ex-aluno da Escola Secundária Passos Manuel, onde deixou uma boa imagem. A directora de turma, Ana Cristina Teixeira, conta que o rapaz era um "miúdo afável, simpático e educado, com boa relação com os colegas".
A professora tentou "vezes sem conta" falar com os pais e procurar soluções. "Nunca consegui que os encarregados de educação viessem à escola", lamenta. O menino não ia às aulas e acabou por ser expulso. O caso, explica, foi comunicado à junta de freguesia e à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
O Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social garante que a entidade competente, na capital, para lidar com casos como este é a Santa Casa. E esta, por sua vez, diz não ter competência na matéria. O processo do jovem também parece não constar nos ficheiros do Instituto de Segurança Social (ISS). Na Linha de Emergência Social não há qualquer registo de crianças a mendigar, o que terá a ver com facto, segundo a assessora do ISS, Helena Silveirinha, destas acabarem por fugir antes das denúncias serem confirmadas.
Alheio à confusão de organismos, T. só sonha com o tuning.
Teresa Espírito Santo, presidente da CPCJ de Lisboa Central, tem "fortes suspeitas" de que muitas crianças pedintes são utilizadas até à "exaustão" por grupos de pessoas e de que "o país serve de plataforma giratória de crianças - elas passam por aqui e seguem para outros países". O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras faz saber, contudo, que não há "indicação de que Portugal sirva como plataforma giratória para tráfico de crianças". Jornalista da Lusa