Reis Pinto, in Jornal de Notícias
S. João de Deus passou de bairro problemático a uma zona deserta. Mas onde ainda se grita "patrulha" quando aparece um carro da Polícia
Já se torna difícil reconhecer o Bairro S. João de Deus, outrora um dos maiores complexos de habitação social do Porto e um dos mais problemáticos. Foco de graves problemas sociais e uns dos principais centros de tráfico de droga da Área Metropolitana, o "Tarrafal", como ficou conhecido, parece, agora, um "bairro fantasma", com meia dúzia de blocos, muitas casas entaipadas e quase ninguém.
Seja como for, ainda é possível ouvir um sonoro "patrulha", gritado não se sabe de onde, mal um carro da PSP assoma a uma das ruas. Ainda assim, o Bairro de S. João de Deus já não está na lista das prioridades da Polícia, que regista uma deslocação do tráfico de droga para outros aglomerados habitacionais da cidade. Onde viviam mais de quatro mil pessoas, apenas 600 se vão manter e o quotidiano policial regista apenas pequenas movimentações relacionadas com a droga.
Matilde Alves, veradora do Pelouro da Habitação da Câmara do Porto, revelou que ainda falta demolir sete blocos, estando a autarquia "neste momento, a realojar 50 famílias". "A Câmara do Porto nunca mais irá construir habitação social, pois não pode especializar-se em bairros", revelou ao JN.
Longe dos números do projecto ARRIMO (Apoiar, Reduzir Riscos e Integrar, Motivando e Orientando), segundo os quais passavam diariamente pelo bairro 1500 toxicodependentes.
"Faz pena. Agora mal se vê uma pessoa. Foi tudo espalhado por outro bairros. Mas, por outro lado, quero fugir do ambiente de droga", desabafou, ao JN, António Gonçalves da Silva, feirante, avô de três netos, apesar de ter apenas 35 anos. O feirante nem tenta encontrar grandes explicações quando diz que a filha mais nova, de apenas 14 anos, já lhe deu dois netos, e a mais velha, que tem 16, o tornou avô pela terceira vez.
José Afonso, de 62 anos, vive no bairro há mais de 40 e será realojado em breve. "Isto era um sossego que nem se imagina, mas a miséria era a mesma. Eles podiam deitar os blocos abaixo mas fazer casas para a gente", defendeu.
Mais pragmático, Agostinho Soares, de 70 anos, proprietário da mercearia Maurício, confessa manter as portas abertas para passar o tempo. "Isto era melhor do que a Brasileira e nos bons tempos fazia cerca de três mil euros por dia", rematou o comerciante.