Ana Gerschenfeld, in Jornal Público
Por esse mundo fora, atinge--se o pico da infelicidade na meia-idade. Em Portugal não. Problema da amostra?
Dois economistas, veteranos das questões de economia e bem-estar, analisaram as respostas de mais de dois milhões de pessoas em 80 países, entre os quais Portugal, e encontraram um padrão de felicidade-infelicidade surpreendentemente constante. Ao que tudo indica, os seres humanos são sistematicamente mais felizes no início e no fim da vida - e mais infelizes no meio.
Andrew Oswald, da Universidade de Warwick, no Reino Unido, e David Blanchflower do Dartmouth College, nos EUA, que irão publicar os seus resultados na revista Social Science & Medicine, utilizaram os dados de diversos grandes inquéritos: os General Social Surveys nos EUA e, na Europa, os Eurobarómetros. Também analisaram dados europeus de saúde mental e, para o resto do mundo, os inquéritos do World Value Survey, uma colaboração científica internacional desenvolvida por sociólogos.
O resultado: uma "curva da felicidade" em forma de U com o seu ponto mais baixo entre os 40 e os 50 anos. "Acontece aos homens e às mulheres, aos solteiros e aos casados, aos ricos e aos pobres, aos que têm filhos e aos que não têm", diz Oswald, citado por um comunicado da sua universidade. E em todos os países analisados, sejam eles desenvolvidos ou em vias de o serem (excepto, contudo, num grupo de oito países para os quais os investigadores invocam a fraca qualidade dos dados disponíveis e, talvez, a baixa esperança de vida).
Mas o facto é que, em 72 países, da Albânia e Argentina ao Uzbequistão e ao Zimbabwe, passando pela Holanda, Noruega ou Portugal, começamos por ser felizes, vamos ficando deprimidos ao longo dos anos e, a dada altura, voltamos a sentir-nos satisfeitos com a vida. A descida e a subida não são bruscas mas graduais. No Reino Unido, bate-se no fundo, em média, aos 44 anos. Nos EUA - e nisto é a excepção à regra em termos de diferenças entre os sexos -, as mulheres ficam mais deprimidas aos 40 e os homens aos 50. "Mas é alentador saber que, quando chegamos aos 70, se estivermos ainda em boa forma física, então em média estaremos tão felizes e mentalmente sãos como um jovem de 20 anos", diz Oswald.
Ninguém sabe porque é que este padrão surge de forma tão sistemática. Uma possível explicação será que as pessoas "aprendem a adaptar-se às suas forças e fraquezas e abandonam as suas aspirações inexequíveis", salienta Oswald. Outra, que as pessoas felizes vivem mais tempo. Ou que "quando as pessoas vêem morrer outras da mesma idade, dão mais valor aos anos que lhes restam".
O caso português
Em Fevereiro do ano passado, Oswald e Blanchflower tinham publicado um estudo onde mostravam que quanto maior a felicidade de uma nação, menor a prevalência da hipertensão. Dos resultados depreendia-se que Portugal estava na cauda da Europa nesse pelouro (ver PÚBLICO de 20.02.2007). Também no novo estudo parece existir uma particularidade portuguesa, ao menos em relação à esmagadora maioria da Europa Ocidental: a idade de maior infelicidade, numa amostra de 25.529 pessoas, situa-se aos 66 anos de idade (há um desvio do mesmo tipo, um pouco mais pequeno, em Itália, onde a média do pico de infelicidade, numa amostra de 35.327 pessoas, surge aos 64 anos).
Interrogado pelo PÚBLICO, Oswald respondeu que se a amostra fosse maior, os resultados iriam provavelmente nivelar-se, tornando a média portuguesa igual às outras: "Não acho que Portugal seja diferente dos outros países", frisou.
Mas a singularidade é curiosa. Será que por cá as pessoas atingem mais tarde a "felicidade" porque se reformam mais tarde? E será a forma em U um sinal de que apenas somos felizes quando não precisamos de trabalhar para viver e podemos desfrutar da vida - ou seja, na infância e na velhice?