João Paulo Madeira, in Jornal de Notícias
Nos últimos cinco anos, as despesas dos consumidores portugueses com habitação e transportes subiram mais de 20%, acima do valor médio de inflação para o mesmo período, que foi de 14,2%. Os números foram divulgados, ontem, pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), que, no ano passado, registou uma inflação média anual de 2,5%, acima das previsões do Governo.
No ano passado, as classes de Produtos Alimentares e Bebidas Não Alcoólicas; a de Habitação, Água, Electricidade, Gás e Outros Combustíveis; e a da Saúde foram as que mais contribuíram para a inflação que, ainda assim, ficou abaixo da registada em 2006 (3,1%). Contudo, a subida dos preços está acima das previsões do Executivo, que apontavam para 2,3%.
A evolução mais desfavorável dos preços fez com que o valor da inflação anual continue afastada do valor "recomendado" pelo Banco Central Europeu. De acordo com a política macroeconómica do organismo, a taxa de inflação anual deve ser de 2%, com o argumento de que a estabilidade de preços é favorável às decisões dos agentes económicos.
Trata-se da décima vez consecutiva que o Governo falha as previsões da inflação. Desde 1998, o erro médio de previsão do valor inscrito no Orçamento do Estado é de 0,63 pontos percentuais, e as falhas abrangem um período que inclui os executivos de António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates. Na esmagadora maioria dos casos, os enganos foram sempre por defeito o valor real ficou sempre acima das previsões. O inverso sucedeu apenas em 2006.
Certo é que as previsões da inflação feitas pelo Governo servem de base para o cálculo dos aumentos salariais na Função Pública e, por arrastamento, no sector privado. O que significa que a perda de poder de compra dos trabalhadores, desde o ano 2000, devido sobretudo ao esforço de consolidação orçamental, também deriva, numa pequena parte, de erros de estimativas.
De resto, a generalidade dos consumidores vê os salários a subir menos do que as despesas fixas. Com os dados da inflação mensal de Dezembro, o INE calculou a variação média anual, e que categorias de produtos mais oscilaram, desde 2002, ano em que a corrente série de preços começou a ser calculada. Assim, é possível verificar que, em cinco anos, houve uma inflação média de 14,2%, mas que há categorias de produtos com grande peso nos orçamentos familiares com aumentos superiores a este valor.
É o caso da classe de Habitação, Água, Electricidade e Gás, que regista um aumento de 20,3%. Nos Transportes, a inflação em cinco anos foi de 22,3%, com o preço dos combustíveis a fazer mossa e a impulsionar o custo dos serviços ferroviários, rodoviários, marítimos e combinados. Contudo, as despesas que mais subiram, nesta metade de década, foram as de Educação, com o Índice de Preços ao Consumidor a registar uma variação de 34,9%. Os custos relacionados com Ensino Superior e Pré--primário foram os que mais contribuíram para esta tendência. Segue-se a categoria de Bebidas Alcoólicas e Tabaco, com uma evolução de 29,8%. Os restaurantes e hotéis também aumentaram os preços em 18,8%.
Com aumentos abaixo da inflação "quinquenal" estão as categorias de produtos Alimentares e Bebidas Não Alcoólicas (+8,5%), Vestuário e Calçado (+1,8%), Acessórios e Equipamento Doméstico (8,2%), Saúde (+14%), Lazer e Cultura (7,8%). A única classe de produtos que regista uma descida de preços é a das Comunicações, com um desagravamento de 5,1%.
Função Pública quer aumento intercalar
Os sindicatos da Função Pública querem uma revisão dos salários já este ano. Para Manuel Ramos, da Frente Comum, o erro de previsão da inflação "dá razão ao pedido de negociação intercalar solicitado ao Governo". Nobre dos Santos, da FESAP, afirmou que "mais uma vez as previsões saíram goradas", pelo que vai solicitar uma revisão dos salários. Bettencourt Picanço, do STE, acusa o Governo de "massacrar" os trabalhadores e pensionistas com as previsões erradas.
Centrais sindicais exigem previsões fiáveis
A CGTP alerta para as consequências dos erros de previsão nos trabalhadores. "A negociação colectiva, no sector privado, e as negociações na Função Pública debruçaram-se sobre uma previsão errada", afirmou Amável Alves, da central sindical. A UGT, em comunicado, considera que as previsões do Governo têm sido um "elemento de desestabilização da política de rendimentos".
Patronato dividido com evolução dos preços
A Confederação do Comércio de Serviços de Portugal (CCP) considera "meritório" que se tenha conseguido controlar a inflação, face a 2006. A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) considera "preocupante" que os preços tenham subido acima das previsões.