2.1.09

Pobreza agravada preocupa Vaticano

in Jornal de Notícias

Papa apela à solidariedade mundial para com os que nada têm e diz quea crise não se resolve com remendos


Bento XVI manifestou ontem a sua preocupação para com o impacto que a crise mundial está a ter nos pobres de todo o planeta. O Papa considera que não basta remendar o funcionamento da economia e finanças mundiais.

São os fundamentos da economia mundial e o modelo de desenvolvimento que devem sofrer uma mudança radical, defendeu ontem Bento XVI ao falar durante a missa de Ano Novo na Basílica de S. Pedro. O Papa considera que a pobreza ameaça a paz em todo o planeta e que tem que ser dado início a um ciclo virtuoso feito de solidariedade e sobriedade. A presente crise deve, assim, ser vista como uma oportunidade para questionar a forma como as economias têm sido construídas e para diminuir o fosso entre os que tudo têm e os desprovidos de tudo. Para tanto, não será indicado pôr uns quantos remendos numa veste, argumentou. O Pontífice seguiu assim a linha das suas intervenções nos últimos meses, sendo muito crítico para com o sistema financeiro global e acusando-o de egoísmo, curteza de vistas e alheamento das causas dos pobres.

Bento XVI considerou que a crise económica global deve também ser encarada como um teste e interrogou-se sobre o grau de preparação dos homens para a abordar em toda a sua complexidade, como um desafio para o futuro, e não apenas como uma situação de emergência carecendo de respostas imediatas.

"O estado do ambiente do planeta e sobretudo toda a crise cultural e moral" estão a pedir "uma profunda revisão do modelo de desenvolvimento dominante", mais ainda que os problemas financeiros imediatos, assegurou o Papa, depois de argumentar que estes têm de ser analisados nas suas causas. Na sua homilia, Bento XVI lamentou que "por um lado se celebre a Declaração Universal dos Direitos do Homem e que por outro se aumente as despesas militares".

"A violência, o ódio e o desencorajamento são também formas de pobreza que há que combater e elas podem ser mesmo as mais terríveis", advertiu o Papa, exortando a que elas não vençam. As suas palavras contemplaram ainda o conflito na Faixa de Gaza. Disse Bento XVI que deve "ser confiado a Maria, mãe do filho de Deus, esse desejo profundo de viver em paz que emana do coração da maioria das populações israelita e palestiniana, uma vez mais postas em risco pelas violências maciças que rebentaram na Faixa de Gaza en resposta a outras violências". Desejou, assim, "o dom da paz para Terra Santa e para toda a humanidade" (ler mais noticiário em "Mundo").

A "Mensagem" de Bento XVI para o Dia Mundial da Paz constituiu o pano de fundo da homilia do Bispo do Porto, que apelou também à paz e à fraternidade, defendendo uma globalização justa e com "significado espiritual e moral". A luta contra a pobreza foi também tema em destaque.

Manuel Clemente falou na necessidade de uma "solidariedade global" e, ao longo da sua homilia, recorreu a exemplos de situações que ferem a dignidade humana, como a pobreza, nomeadamente entre as crianças, e a corrida aos armamentos ("em conluio com o subdesenvolvimento"). O Bispo do Porto aludiu ainda ao fosso entre países ricos e pobres e alertou para os riscos de práticas especulativas e de uma actividade financeira confiada no curtissimo prazo.

Ao dirigir-se ontem aos fiéis na Sé do Porto, o prelado lembrou o papel do Estado na prevenção das causas da pobreza e incitou a sociedade civil a apoiá-lo e pressioná-lo nesse sentido. Manuel Clemente teve ainda palavras para louvar a acção das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e remeteu para um documento recente da Comissão Nacional Justiça e Paz, organismo da Conferência episcopal Portuguesa, onde é dito que "a pobreza na nossa sociedade não é uma fatalidade".

Para o Bispo do Porto, é possível divisar na globalização "um projecto divino" para a constituição de uma única família humana, fraterna e corresponsável. Mas apenas com tais características, acrescentou, "a globalização interessa e corresponde à expectativa de todos e à vontade divina".