Rita Carvalho e Alfredo Mendes, in Diário de Notícias
Alerta. A Igreja está preocupada com a crise, que arrasta centenas de famílias para a pobreza. Em Dia Mundial da Paz, o cardeal patriarca de Lisboa pede mudanças corajosas na luta contra o problema e lembra que o assunto diz respeito a todos, alertando para o perigo da criação de conflitos e de violência
O cardeal patriarca de Lisboa exigiu ontem "mudanças políticas, lúcidas e corajosas" na luta contra a pobreza. Na homilia do Dia Mundial da Paz, D. José Policarpo sublinhou a dimensão comunitária da paz que passa pela ajuda aos que mais sofrem, nomeadamente com a situação de crise que o mundo atravessa.
Durante a cerimónia que decorreu na igreja paroquial de Cristo Rei da Portela, o cardeal alertou ainda para as consequências do agravamento da miséria. "É preciso estar consciente de que a dimensão colectiva da pobreza está na origem de conflitos e violências. No momento que a humanidade hoje atravessa, a dimensão global da pobreza assume contornos preocupantes, a exigir mudanças políticas, lúcidas e corajosas". Para operar esta mudança, o responsável da Igreja Católica defende que os sistemas económicos não sejam apenas capazes de produzir riqueza para alguns mas de erradicar a pobreza. "Os egoísmos dos Estados, dos grupos e das pessoas são cada vez menos toleráveis", afirmou.
Estas palavras de apelo à responsabilidade colectiva na luta contra a pobreza, proferidas agora por D. José Policarpo, vão ao encontro daquilo que têm defendido os responsáveis das principais organziações não governamentais, que viram disparar os pedidos de ajuda em 2008. Ao DN, o presidente da Cáritas falou há dias de uma "crise sem predecentes", defendendo a mobilização de todos os portugueses. Eugénio Fonseca sublinhava a necessidade de cada cidadão "educar o olhar", para poder atender às necessidades dos novos pobres, amordaçados numa "pobreza envergonhada".
Fernando Nobre, da AMI, referiu-se à necessidade de olhar a luta contra a pobreza como "um desígnio nacional", atendendo à dimensão do problema. Isabel Jonet, do Banco Alimentar, alertou para os riscos sociais, que podem advir do agudizar da crise durante o novo ano.
Também João César das Neves comunga da apreensão manifestada pelo cardeal-patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, e pelo bispo do Porto, D. Manuel Clemente (ver texto em baixo). Ao DN, o economista ligado à religião católica acentuou que "o caminho da paz passa pelo combate da pobreza".
Daí, acrescentou, "ter sido uma homilia particularmente feliz, revelando um grande realismo, ousadia e empenhamento por parte de D. José Policarpo. Há situações dramáticas que têm de ser atendidas", disse.
Quanto ao pensamento expresso por D. Manuel Clemente sobre a não relação do aumento demográfico com a pobreza, João César das Neves recordou que o próprio Papa já tinha abordado essa questão. Aliás, afirmou o professor universitário, "houve uma grande redução da pobreza em zonas onde se registou um aumento demográfico".
As campanhas de âmbito internacional que visam a redução da natalidade como forma de esbater a pobreza mereceriam, igualmente, as críticas de João César das Neves: "Essas iniciativas são um autêntico disparate. Um disparate de algumas organizações e da ONU", concluiu.