Patrícia Carvalho, in Público online
O lançamento em papel do Livro Branco 2022 foi acompanhado de mesas de discussão que lançaram novas recomendações, agora compiladas pelo JRS.O lançamento do Livro Branco sobre os direitos das pessoas imigrantes e refugidas em 2022 na sua edição impressa foi, pela primeira vez, acompanhado de um conjunto de grupos de discussão, de diferentes instituições ligadas ao tema, que trouxeram para cima da mesa mais recomendações do que as que já constavam daquele documento produzido pelo Serviço Jesuíta a Refugiados (JRS, na sigla inglesa). Depois de conhecido em versão digital, em Dezembro, o Livro Branco foi lançado em papel em Março e a JRS editou agora um pequeno livro de instruções, com os resultados das recomendações que saíram desta operação de lançamento com características inéditas.
“O Livro Branco é suposto ser um ponto de partida para uma discussão e este evento de lançamento foi diferente do habitual, mais participativo, para que as pessoas pudessem completar o nosso livro com sugestões e recomendações que tivessem. Nunca antes tínhamos tido um momento de discussão em grupo deste tipo e o resultado foi um conjunto de recomendações que tomamos como muito pertinentes. E é isso mesmo que pretendemos: uma construção, um trabalho em rede para melhorarmos o acolhimento de imigrantes e refugiados”, diz Carmo Belford, da equipa coordenadora do Livro Branco 2022.
O pequeno livro de instruções agora conhecido junta, por isso, algumas recomendações àquelas que já tinham sido inseridas pelo próprio JRS na edição relativa ao ano passado, a 3.ª desde que avançaram com a publicação do Livro Branco. Transversal a todos os grupos de discussão que congregaram cerca de 70 pessoas em torno de diferentes temas foi a constatação da “necessidade de contratação de intérpretes e mediadores socioculturais, bem como a formação contínua em Direitos Humanos, Asilo e Imigração dos profissionais da respectiva área”.
Os grupos discutiram as alterações à Lei de Estrangeiros, a detenção administrativa de cidadãos estrangeiros e os obstáculos nos processos de regularização e obtenção de asilo, além dos problemas no acesso à saúde, justiça, habitação, educação e a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Este processo foi, aliás, um dos pontos mais criticados pelo JRS no Livro Branco 2022, por causa da falta de informação sobre como tudo se iria processar e as condições que serão dadas aos novos organismos que o deverão substituir. Desde Dezembro, quando foi lançada a versão online da obra, até agora, Carmo Belford reconhece que houve algumas evoluções positivas, no que à operacionalidade do SEF diz respeito. “Uma das recomendações que deixávamos era que houvesse uma regularização extraordinária das pessoas que estavam à espera há muito tempo e, felizmente, foi algo que se concretizou”, diz.
Mas muito há ainda por fazer e a esperança do JRS é que as entidades responsáveis, incluindo o Governo, acolham agora as sugestões expressas por profissionais de diferentes sectores, associações, partidos políticos e instituições de ensino.
Carmo Bedford surpreendeu-se, por exemplo, com as “várias sugestões para flexibilizar o apoio judiciário”, deixadas por representantes da Ordem dos Advogados ou com a “frustração” de vários participantes da área da Saúde, impedidos de marcar consultas a alguns migrantes por causa de questões informáticas. Um problema que decorre do facto de o sistema informático usado neste serviços não ter incorporado a informação que os documentos que conferem o acesso à saúde, mesmo que contenham uma validade caducada, estão formalmente válidos, já que foram prorrogados até ao final de 2023, devido, precisamente, à dificuldade do SEF em dar resposta aos pedidos pendentes.
Entre as muitas outras recomendações que constam do pequeno livro de instruções a que foi dado o título Construir a integração: Por onde começar?, estão, por exemplo, a atribuição automática de NISS, NIF e NUSNS aos requerentes de asilo (à semelhança do que já acontece a quem tem visto de residência ou para procura de trabalho); a clarificação dos procedimentos relativos ao reagrupamento familiar; a atribuição de vistos humanitários (para requerentes de protecção internacional que tenham entrado de forma irregular no país); a abolição de detenções por razões meramente administrativas; a revisão dos critérios de acesso aos programas de habitação ou a criação de um estudo de protecção à vítima de denunciantes de tráfico humano, para que não corra o risco de ser deportada, uma “firewall da Justiça que previna a dupla vitimização”, refere-se.
No caso da extinção do SEF, pede-se mais participação civil e mais transparência no processo de criação da Agência Portuguesa para a Migração e Asilo (APMA), mais formação e fiscalização para combater “a violência, a xenofobia e o racismo policial” e uma maior participação do Governo na integração da população migrante.
Com a extinção do SEF agora prevista para daqui a seis meses, Carmo Belford entende este livro de recomendações surge na hora certa, já que este “é o momento oportuno para o Governo e a sociedade civil trabalharem em conjunto para melhorar os procedimentos que até agora têm dificultado a vida das pessoas que acolhemos em Portugal”.