Por Lusa, in Expresso
O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) considera que o processo para a nomeação de bispos “não está a funcionar” e “não é aceitável” a existência de dioceses sem bispo em Portugal há mais de um ano. “Acho que este processo que nós temos não está a funcionar. Nós termos duas dioceses neste momento que há um ano e tal estão sem bispo, uma já quase há um ano e meio. Isto não é aceitável, a meu ver”, diz José Ornelas em entrevista conjunta à agência Lusa e à agência Ecclesia, defendendo a necessidade de “agilizar e tornar mais participativo” o processo de eleição dos bispos.
Setúbal e Bragança-Miranda estão a aguardar a nomeação de novos bispos, depois de José Ornelas ter transitado para Leiria e José Cordeiro para Braga, respetivamente.
Dizendo não dispor de elementos que lhe permitam confirmar informações que dão conta de alegadas recusas por parte de alguns padres para serem elevados ao episcopado, acredita, porém, que não será esse o motivo para os atrasos nas nomeações. “Não creio, porque daquilo que sei, algumas [situações] têm durado demasiado tempo para serem enviados os processos”, afirma, admitindo que alguma coisa poderá ser alterada no âmbito do Sínodo que a Igreja está a viver até 2024.
“Eu penso que sim, que algumas coisas podem mudar. Neste momento já há uma grande participação em termos de consulta de pessoas, de leigos, padres, bispos. Mas isto, a meu ver, pode ser organizado de outra forma, agilizando melhor e tornando mais rápido e eficiente o processo de escolha”, diz José Ornelas, admitindo que os padres possam ter dúvidas em aceitar o cargo. Segundo o presidente da CEP, “é um discernimento que se tem de fazer, um discernimento na disponibilidade”.
Reeleito neste mês de abril para um segundo mandato à frente da CEP, José Ornelas reconhece que o último ano “foi um ano desafiador, que exigiu tempo e muitos contactos”. “Mas, isto, acho que vale a pena. Quer dizer, a gente está aí. Se há problemas, é preciso enfrentá-los e pronto”, diz o prelado, justificando a disponibilidade para novo mandato, depois de ter colocado a si próprio a possibilidade de indisponibilidade.
PRÓXIMOS DESAFIOS: SÍNODO E JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE
Quanto aos desafios que tem pela frente na CEP, reconhece, desde logo, a necessidade de “trabalhar mais em rede”. “Estamos bem convencidos disto, que este caminho de sinodalidade que estamos a fazer em toda a Igreja, a partir da base, das paróquias, das dioceses, dos continentes e da Igreja toda, evidentemente [que] nas conferências episcopais deve-se sentir mais. Mesmo ao nível da Igreja, da própria organização da Igreja – isto para falar em macro, em geral – há [necessidade de] alterações no Direito canónico que permitam mais isso”, diz o prelado.
Segundo o também bispo de Leiria-Fátima, “há um grupo de canonistas que estão a seguir o Sínodo e a apontar, das sugestões que vão sendo feitas, quais as alterações que se devem fazer no próprio Direito”. “Por exemplo, eu nomeei uma senhora como a chanceler da Diocese. Normalmente, o chanceler, em órgãos específicos da diocese, devia estar lá, mas depois, se diz que devem ser padres, já não dá para [a] pôr lá à face do Direito. Pode-se sempre pedir a exceção a Roma. Mas, isto significa que o Direito também tem de acompanhar e promover aquilo que já está acontecendo”, acrescenta.
Outro desafio próximo é a Jornada Mundial da Juventude, marcada para os dias 1 a 6 de agosto. O bispo José Ornelas destaca o esforço “muito interessante, dentro da Igreja e fora dela”, para a preparação da JMJ, nomeadamente a “articulação com autoridades, instituições, processos em curso, não só da logística, mas muito mais, de interesse, de motivação de pessoas”.
“Isto é para mim o que é mais válido, o que está a acontecer, porque implica pessoas. Depois, basta que não entre toda a gente na ressaca do pós [jornada]”, pois “isto criou um movimento” de apelo aos jovens, para que “saiam do sofá, das comodidades, do individualizar e criar cada um o seu caminho, a sua igreja e o seu grupo, para estar em ligação com outros”, diz o também bispo de Leiria-Fátima, defendendo que “esta é a cultura que é preciso que passe para a Igreja, particularmente na nossa juventude, mas passe também para o mundo”.
José Ornelas exemplifica ainda com a “estrutura” que está a ser criada em paróquias que não tinham grupo de jovens e agora têm. “Se nós conseguirmos manter esta rede capilar de jovens e manter os jovens dentro do seu núcleo, isto para mim é uma rede fundamental e luminosa”, sublinha.
Quando se encontrar com o Papa Francisco, em Lisboa e em Fátima, onde também é esperado, José Ornelas “gostaria de lhe pedir que continuasse o seu ministério, como tem sido, como ele tem feito, porque tem sido um Papa que tem inspirado muito os nossos jovens, apesar da sua idade, mas tem apresentado caminhos novos para a sua Igreja”.
“Quando a gente pensa que a Igreja, a Igreja institucional, é pesada e monótona e os profetas são aqueles que estão um bocado mais à margem, tem verdade, tudo isso. Mas, um Papa como este foi um profeta, o Papa João Paulo II, sem dúvida, foi um profeta no meio da Igreja. Mudou tantas coisas. E, portanto, estes papas tiveram uma dimensão profética muito grande de mudança e é esta mudança que está em curso, que é preciso confirmar e fazer com que tenha resiliência na Igreja para a sua continuação”, afirma.
Além da JMJ, também Fátima é uma das preocupações do presidente da CEP, desde logo porque é o bispo titular do território onde se encontra o santuário mariano. Admitindo que o santuário “tem uma dinâmica que está em constante transformação, para encontrar respostas novas para tempos novos”, Ornelas diz ainda não se sentir “confortável” para dizer qual a linha a seguir [está à frente de Leiria-Fátima apenas há pouco mais de um ano], mas não hesita em apontar como importante que, tendo em conta a canonização de Francisco e Jacinta, em 2017, e o processo em curso relativo à Irmã Lúcia, que “Fátima deve focalizar, não simplesmente de um ponto de vista de reflexão e espiritual, mas também muito de ação concreta, a atenção aos mais pequenos, concretamente às crianças”.
“Quando a gente vê que no mundo morrem todos os dias muitas crianças, em números horrorosos, de fome, de crianças que são usadas a todos os níveis, de crianças que não têm escola, isto não pode passar ao lado do Santuário”, defende o bispo, lembrando que “Maria veio precisamente para estas crianças”.
“Fátima tem de ser isto, para que não corra o risco, como santuário, de ser um nicho onde se vai fazer devoções e depois se volta e tudo continua na mesma. Mas que seja algo que mexa com as pessoas, e a função dos santuários é precisamente essa. E dada a projeção internacional que tem, o santuário pode fazer a diferença”, acrescenta o presidente da CEP, para quem “o santuário é uma bênção para aquela diocese, do ponto de vista espiritual, de dinâmica de vida para mais novos e mais velhos, da própria projeção da diocese e abertura de caminhos”.
O reitor do Santuário de Fátima, Carlos Cabecinhas, foi nos últimos dias reconduzido cargo, para novo período de cinco anos. O sacerdote é reitor do maior santuário do país desde 2011, ano em que substituiu no cargo Virgílio Antunes, então nomeado bispo de Coimbra.