Rafaela Burd Relvas, in Público online
O Banco de Portugal vai lançar uma estratégia de literacia financeira digital, a implementar até 2028, para incentivar o uso de serviços digitais com maior segurança e reduzir a exclusão financeira.
A maioria da população portuguesa que usa a Internet acredita que todos os prestadores de serviços financeiros que encontra online são regulados pelas autoridades nacionais, desconhece as implicações de falhar o reembolso de um crédito que tenha sido contraído por via digital e não altera com regularidade as palavras-chave de aplicações financeiras móveis que utiliza. Há, também, uma fatia significativa da população que ignora que é possível perder dinheiro investido em criptoactivos e outra que, embora utilize serviços financeiros digitais, nunca pesquisou qualquer informação sobre a sua segurança.
Estes são apenas alguns dos exemplos que ilustram o nível de literacia financeira digital em Portugal, país onde 10% da população que acede à Internet já foi vítima de algum tipo de fraude financeira praticada através de meios digitais, um fenómeno que afecta particularmente os desempregados, mas, também, as classes com maiores rendimentos. É com base neste diagnóstico que o Banco de Portugal (BdP) se prepara para lançar a nova Estratégia de Literacia Financeira Digital, um projecto financiado pela Comissão Europeia e que será implementado ao longo dos próximos cinco anos, através do qual o regulador espera "capacitar a população portuguesa a utilizar serviços financeiros digitais e contribuir para reduzir a exclusão financeira digital".
A estratégia, apresentada esta quarta-feira, parte de um diagnóstico que foi feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) à população portuguesa, cujas conclusões foram apresentadas num relatório publicado no mês passado. Realizado durante 2022, este estudo, uma iniciativa inédita por parte da OCDE (razão pela qual não é possível comparar o nível de literacia em Portugal com o de outros países), parte de um inquérito a uma amostra de 1516 pessoas, das quais 76% utilizavam a Internet. E as conclusões sobre esse grupo são reveladoras da falta de literacia financeira em Portugal.
A título de exemplo, conclui o estudo, só 21% da população que usa o serviço de homebanking ou as aplicações móveis do seu banco diz alterar com regularidade as palavras-chave destas ferramentas, enquanto um quarto desta população admite que não encerra a sessão depois de utilizar o serviço de homebanking. Ao mesmo tempo, quase um terço (31%) da população que utiliza serviços financeiros digitais reconhece que nunca procurou informação sobre como usar estas ferramentas de forma segura.
Há, também, um desconhecimento notório quanto aos serviços financeiros e entidades dessa natureza que podem ser encontrados online. Por exemplo: quando confrontados com a afirmação "não reembolsar um empréstimo contraído online afecta a capacidade do devedor de obter outro crédito online, mas não afecta a sua capacidade de obter crédito num balcão físico de uma instituição financeira", 63% dos inquiridos responderam, erradamente, que esta afirmação era verdadeira. Já sobre a afirmação "todos os prestadores de serviços financeiros que encontro na Internet são regulados pelas autoridades financeiras da minha jurisdição", 60% dos inquiridos respondeu, erradamente, que a afirmação era verdadeira.
Noutro campo, o estudo evidencia a falta de conhecimento da população portuguesa quanto ao funcionamento dos criptoactivos. Entre os inquiridos, mais de metade (57%) mostra desconhecimento quanto ao facto de que estes produtos não são regulados em Portugal, só 55% diz saber que é possível perder dinheiro quando se investe em criptoactivos e 61% desconhece que um criptoactivo não constitui uma moeda com curso legal (este universo inclui tanto aqueles que nunca investiram em criptoactivos como aqueles que já o fizeram, que representam apenas 5% da população que usa a Internet e que tem uma conta bancária). Mas, mesmo considerando apenas os investidores deste tipo de activos, a iliteracia atinge níveis significativos: mais de 20% destes investidores responderam erradamente às perguntas anteriores.
É neste contexto que uma parte reduzida da população, mas ainda assim com alguma relevância, admite já ter sido alvo de fraude financeira online. Segundo o estudo da OCDE, 8% da população que utiliza Internet já foi vítima de fraude financeira online. É o mesmo que dizer que uma em cada 12 pessoas em Portugal já foi alvo deste tipo de prática, que assume vários formatos, desde a utilização fraudulenta de cartões de crédito ou débito, esquemas de phishing, práticas de fraude durante compras online, ou venda de produtos financeiros que acabam por se revelar esquemas, entre outros.
Há dois grupos particularmente afectados por este fenómeno. Na análise pela situação profissional, são os desempregados (17%) que mais sofrem com este tipo de fraude. Já nos escalões de rendimentos, são aqueles que estão no topo da tabela, com rendimentos superiores a 3500 euros, que mais se tornam vítimas deste tipo de práticas (também 17%).
BdP lança nova estratégia
É munido deste diagnóstico que, agora, o BdP se prepara para lançar uma nova estratégia para aumentar a literacia financeira digital em Portugal, um projecto que será implementado até 2028 e que terá por base planos de acção anuais, elaborados pelo regulador, onde serão definidas as iniciativas concretas a implementar em cada ano.
A estratégia é apresentada, oficialmente, esta quarta-feira, mas o primeiro plano anual ainda não está concluído, nem tem, para já, uma data prevista. Ainda assim, já estão definidas várias das acções que o BdP pretende implementar a curto e médio prazo, com quatro grandes objectivos: garantir a todas as pessoas o acesso a formação financeira digital de qualidade; assegurar que a utilização de serviços financeiros digitais tem por base informação adequada; promover uma utilização segura de serviços financeiros digitais; e melhorar a eficácia das iniciativas de formação financeira digital.
Para isso, estão previstas acções como a promoção de formação financeira digital nas escolas, através de actividades curriculares e extracurriculares ou de eventos especiais para os estudantes; a cooperação com meios de comunicação social, com programas televisivos ou artigos de imprensa; ou o desenvolvimento de campanhas destinadas a disponibilizar "informações básicas e alertas" em locais públicos, entre várias outras.

