15.5.23

Sintomas de burnout ameaçam quase 80% dos trabalhadores inquiridos num estudo

Natália Faria, in Público


Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis foi criado há um ano para estudar os ambientes de trabalho nas empresas. Esta terça-feira é divulgado um manual de boas práticas.


Exaustos, irritados, frustrados, com dificuldades de concentração e incapazes de gerir o stress: quase 80% dos trabalhadores inquiridos num estudo feito pelo Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis (LPATS) mostram pelo menos um sintoma de burnout, o que equivale a dizer que arriscam um quadro de “permanente stress crónico laboral”, como adiantou ao PÚBLICO a psicóloga Tânia Gaspar, coordenadora do laboratório.

Entre os que apresentaram o risco mais elevado de virem a cair no burnout, a sensação de exaustão física foi a mais referida: 42,6% disseram ter-se sentido assim nas quatro semanas anteriores ao inquérito. Mais: entre os que apresentaram pelo menos um sintoma de burnout, 63,5% somaram pelo menos três, incluindo exaustão, tristeza e irritabilidade, reunindo assim os critérios “para serem avaliados por um profissional da área”.

“O que acontece no burnout é que muitas vezes a pessoa não se apercebe, é algo que vai ocorrendo: a pessoa sente-se cansada, que não está a conseguir produzir o que produzia antes e acaba por cometer mais erros e sofrer alterações no sono. Depois, fica mais irritadiça e menos tolerante, vai-se isolando, perdendo capacidade de concentração. E, no limite, deixa de conseguir sair de casa e exercer a sua função; tem um esgotamento”, descreve Tânia Gaspar, autora de um estudo que, embora não seja extrapolável para a população do país, mostra a progressiva sobreexposição ao stress dos trabalhadores portugueses já apontada em estudos anteriores.

Para o relatório que vai ser apresentado esta terça-feira, dia 16, na I Conferência Internacional de Ambientes de Trabalho e Aprendizagem Saudáveis, em formato online, os investigadores inquiriram 1829 profissionais, entre os 18 e os 72 anos, de sectores que vão da saúde aos transportes, passando pela educação e comércio, entre outros. Daqueles, os profissionais da administração pública surgiram como os que denotam um risco mais elevado de vir a sofrer de burnout, seguidos dos trabalhadores do sector dos transportes, da saúde, da área social e dos profissionais da educação.

Em termos globais, 36,1% consideraram que o trabalho lhes consome muito tempo e energia, afectando negativamente a sua vida e 28,6% dos trabalhadores reportaram valores muito baixos de “engagement” com a empresa. A psicóloga que fez o estudo aponta ainda os 15,7% de trabalhadores inquiridos que declararam que se sentem alvo de ameaças ou de outra forma de abuso físico ou psicológico no local de trabalho. “É um valor muito elevado que nos leva a reflectir. E efectivamente tenho também na minha clínica muitos casos de pessoas mais velhas que não têm cultura de assertividade em relação às chefias. Há aqui um trabalho de prevenção a fazer”, advoga.

No conjunto dos trabalhadores, 28,1% reportaram sofrer de uma doença crónica e 17,8% elevados níveis de presentismo, isto é, “as pessoas vão trabalhar, mas sentem que não conseguem produzir aquilo que deviam e que o seu trabalho perdeu qualidade”, como descreve ainda Tânia Gaspar, para quem o teletrabalho ou o regime de trabalho híbrido podem ajudar a responder a várias das dificuldades reportadas pelos trabalhadores.

A deterioração da saúde mental dos profissionais agudizou-se durante a pandemia, nomeadamente porque durante os confinamentos muitas empresas “controlaram de uma maneira extrema os horários de trabalho dos profissionais, que contactavam fora das horas de trabalho por correio electrónico, Zoom, WhatsApp”, denuncia a psicóloga.

Reposto algum equilíbrio, “muitos trabalhadores isolaram-se e habituaram-se a desenvolver o trabalho em casa, de forma autónoma, e vários estão a ter agora muita dificuldade em voltar a trabalhar como antigamente”.

A possibilidade de poderem trabalhar num regime misto, que combine o trabalho remoto com o presencial, surge agora no topo da lista reivindicativa dos trabalhadores inquiridos no estudo. “Uma das recomendações que fazemos às empresas é que, sempre que possível, optem pelo trabalho híbrido”, adiantou a psicóloga, para quem é claro que o investimento no bem-estar dos trabalhadores por parte das organizações acaba por ter retorno.

“Na Noruega, se alguém é visto a trabalhar às oito da noite é admoestado pela chefia. Eles entendem que essa pessoa ou está a receber trabalho a mais ou é incompetente, na medida em que não consegue fazer o que lhe pedem dentro do horário normal. E isto não acontece porque lá as empresas são boazinhas, mas porque sabem que, se investirem no profissional (e nisto a conciliação com a vida pessoal surge como aspecto importantíssimo), aquele acaba por devolver esse investimento à empresa”, acrescenta.

Porque cada vez mais empresas estão cientes desta realidade, o LPATS vai disponibilizar a partir desta terça-feira um manual de boas práticas, pensado para orientar as organizações quanto às melhores soluções para manter profissionais dedicados e empenhados. Aqui o dinheiro ajuda, mas não é tudo. No inquérito feito a partir da amostra referida, surgem reivindicações que vão da necessidade de se sentirem reconhecidos e envolvidos no processo de tomada de decisões à existência de uma “segurança psicológica” que lhes permita errar, até à liberdade de gestão do horário e da possibilidade de terem o dia de aniversário livre ou uma folga extra.
Criar a figura do “psicólogo do trabalho”

A disponibilização de fruta, água e opções de alimentação saudável no local de trabalho a possibilidade de realização de ginástica laboral, durante pausas para descanso ou exercício, são algumas das boas práticas apontadas pelos trabalhadores. O acesso facilitado a serviços de psicologia, ginásio, massagens, osteopatia, fisioterapia, consultas de nutrição e de estomatologia e a programas de voluntariado e mentoria são igualmente elencados, a par de sugestões como serviço de shuttle para profissionais e parcerias com farmácias.

Os autores do relatório vão mais longe quando sugerem que se altere a legislação sobre saúde ocupacional em Portugal, “fortalecendo a relevância da saúde mental e psicossocial”, e a integração nas equipas da figura do psicólogo do trabalho, o que implicaria a criação de especializações profissionais nesta área. “Dependendo da dimensão da empresa, a figura do psicólogo pode existir dentro da organização ou funcionar na lógica de subcontratação de trabalho externo”, especifica a coordenadora do estudo.

Ainda ao nível das políticas públicas, sugere-se a criação de incentivos ou benefícios fiscais para as empresas que adoptem medidas capazes de promover ambientes de trabalho mais saudáveis e o alargamento da experiência da semana dos quatro dias sem corte do salário. “Aqui o único receio é que as pessoas possam ficar sobrecarregadas nestes quatro dias, o que pode não ser saudável e levar ao burnout, isto é, esses quatro dias têm de ser suficientes para a pessoa fazer o trabalho que lhe é pedido”, alerta Tânia Gaspar.

Numa altura em que o mundo soma em média 2,78 milhões de mortes todos os anos por causas atribuíveis ao trabalho, o manual de boas práticas destinado às empresas lembra, por exemplo, que a carga horária excessiva pode levar a problemas de sono, à redução da produtividade e ao aumento do consumo de álcool, tabaco e outras drogas.

Logo, "pequenas acções como reduzir a carga e a intensidade do trabalho, incentivar a realização de pausas e motivar os profissionais para usufruírem de folgas e férias para descanso (desligando-se do trabalho), contribuem de forma significativa para melhorar a saúde dos profissionais", alerta o manual de boas práticas, que aponta "estilos de liderança desajustados, ausência de negociação e de consulta dos trabalhadores, a falta de comunicação bidireccional, de feedback positivo e de uma gestão respeitosa" como factores que ameaçam a saúde dos trabalhadores e das empresas.

O manual recolhe exemplos de boas práticas adoptadas noutros países. Na Suíça, por exemplo, os programas de bem-estar para os trabalhadores incluem serviços como acompanhamento psicológico e, em caso de doenças crónicas, fisioterapia, ioga, consultas de cessação tabágica e programas de controlo do peso.