Eunice Lourenço, in Expresso
Marcelo considera que decreto sobre habitação não é “suficientemente credível” e, na promulgação de decreto sobre construção, defende a existência de um Código da Edificação
O Presidente da República decidiu vetar as medidas ainda pendentes do plano Mais Habitação. A decisão de Marcelo foi divulgada numa nota publicada no site da Presidência, onde também já foi divulgada a promulgação do decreto sobre contagem do tempo de serviço dos professores. No que diz respeito à habitação, o Presidente enviou uma carta ao Parlamento a acompanhar o veto em que faz o historial das medidas propostas pelo Governo e conclui que não são credíveis nem mobilizadoras como resposta “à emergência da crise habitacional” que atinge sobretudo os jovens e a classe média.
“Nem no arrendamento forçado, nem no alojamento local, nem no envolvimento do Estado, nem no seu apoio às cooperativas, nem nos meios concretos e prazos de atuação, nem na total ausência de acordo de regime ou de mínimo consenso partidário, o presente diploma é suficientemente credível quanto à sua execução a curto prazo, e, por isso, mobilizador para o desafio a enfrentar por todos os seus imprescindíveis protagonistas – públicos, privados, sociais, e, sobretudo, portugueses em geral”, escreve Marcelo na carta em que justifica o veto.
Na mesma carta, o PR lamenta que a apresentação do Mais Habitação tenha polarizado o debate em torno de dois temas polémicos: o arrendamento forçado e o alojamento local. “Apagou outras propostas e medidas e tornou muito difícil um desejável acordo de regime sobre Habitação, fora e dentro da Assembleia da República” e “ deu uma razão – justa ou injusta – para perplexidade e compasso de espera de algum investimento privado, sem o qual qualquer solução global é insuficiente”, lamenta o Presidente, que deixa críticas duras aos Governo: “Radicalizou posições no Parlamento, deixando a maioria absoluta quase isolada, atacada, de um lado, de estilo proclamatório, irrealista e, porventura, inconstitucional, por recair, em excesso, sobre a iniciativa privada, e, do outro, de insuficiência e timidez na intervenção do Estado.”
MAIS INVESTIMENTO DO ESTADO
Marcelo defende, em vários momentos ao longa da carta, mais investimento do Estado na resolução da crise na habitação. “Salvo de forma limitada, e com fundos europeus, o Estado não vai assumir responsabilidade direta na construção de habitação”, lamenta, criticando quase uma a uma as medidas propostas pelo Governo.
“O apoio dado a cooperativas ou o uso de edifícios públicos devolutos, ou prédios privados adquiridos ou contratados para arrendamento acessível, implicam uma burocracia lenta e o recurso a entidades assoberbadas com outras tarefas, como o Banco de Fomento, ou sem meios à altura do exigido, como o IHRU; o arrendamento forçado fica tão limitado e moroso que aparece como emblema meramente simbólico, com custo político superior ao benefício social palpável; a igual complexidade do regime de alojamento local torna duvidoso que permita alcançar com rapidez os efeitos pretendidos”, escreve o Presidente, ainda que reconheça algumas melhorias conseguidas no Parlamento.
“O presente diploma, apesar das correções no arrendamento forçado e no alojamento local, dificilmente permite recuperar alguma confiança perdida por parte do investimento privado, sendo certo que o investimento público e social, nele previsto, é contido e lento”, escreve Marcelo lamentando também que não tenha havido capacidade para um amplo consenso sobre política de habitação.
“Acordo de regime não existe e, sem mudança de percurso, porventura, não existirá até 2026”, escreve também o Presidente numa frase que pode ser lida muito para além do tema da habitação em que, no fundo, incita a maioria absoluta a mudar de atitude. E conclui a carta com um desabafo que é também um desafio: “Sei, e todos sabemos, que a maioria absoluta parlamentar pode repetir, em escassas semanas, a aprovação acabada de votar. Mas, como se compreenderá, não é isso que pode ou deve impedir a expressão de uma funda convicção e de um sereno juízo analítico negativos.”
CÓDIGO DA EDIFICAÇÃO E MAIS AVISOS AO GOVERNO
Na mesma nota publicada do site da Presidência em que dá conta do veto, Marcelo anuncia também uma promulgação relativa a normas para simplificar a construção habitacional. "Tendo presente a emergência da crise habitacional, que afeta, sobretudo, jovens e famílias mais vulneráveis, e começa a afetar a classe média e a necessidade do aumento da oferta de imóveis para habitação, o Presidente da República promulgou o decreto da Assembleia da República autorizando o Governo a simplificar, significativamente, os procedimentos urbanísticos e de ordenamento do território", lê-se na justificação presidencial que aproveita para deixar já avisos sobre a regulamentação desta lei: “O Presidente da República não deixará de ter presente, na futura apreciação do Decreto-Lei autorizado, a necessidade de compatibilização entre a simplificação urbanística e outros valores a preservar, como é a segurança e qualidade das edificações, a responsabilização dos intervenientes no processo de construção e o importante papel da Administração Local em matéria de habitação e de ordenamento do território.”
Nas justificações desta promulgação, Marcelo exorta ainda o Governo a trabalhar no sentido de fazer um “Código da Edificação” que reúna “num único diploma de toda a legislação dispersa (imensa e, em alguns casos, contraditória), eliminando contradições e normas obsoletas e melhorando a acessibilidade da legislação do setor, num passo fundamental para a desejável simplificação urbanística”.