Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público
Tony Blair, primeiro-ministro britânico, definiu ontem os limites da sua posição sobre o futuro da Constituição europeia, deixando claro que só aceitará uma versão simplificada que não necessite de ser ratificada por referendo.
Esta posição foi assumida numa entrevista em forma de balanço da sua acção europeia que foi ontem publicada em vários jornais europeus.
"Temos de recuar e renunciar a um Tratado Constitucional em torno do qual não será possível encontrar um acordo", afirmou. "Queremos um Tratado tradicional modificado que melhore as regras de funcionamento da Europa". Desta forma, precisou, "se não for um tratado constitucional que altere as relações fundamentais entre a Europa e os Estados-membros, não precisaremos de o referendar, podemos aprová-lo por via parlamentar".
Blair defendeu igualmente que "as grandes linhas" do novo Tratado deverão ser definidas pelos líderes dos Vinte e Sete na próxima cimeira europeia de 21 e 22 de Junho, a última em que deverá participar, de modo a que fiquem apenas os detalhes para definir posteriormente.
Esta pretensão coincide com a de Angela Merkel, chanceler federal da Alemanha que preside actualmente à UE e assumiu como prioridade absoluta o relançamento do debate constitucional.
Merkel pretende levar os seus pares a acertar, na cimeira, as traves mestras de um novo Tratado destinado a dotar a UE dos "meios de acção", a par do calendário para a sua negociação formal que será conduzida pela futura presidência portuguesa, a partir de Julho.
Os contornos do que poderá vir a ser o sucedâneo da Constituição - rejeitada nos referendos realizados há dois anos em França e na Holanda - ainda estão por definir e estão longe de ser consensuais. Os dezoito países que já a ratificaram exigem um texto tão próximo quanto possível do original. Entre os restantes, o Reino Unido, Holanda, Suécia, Polónia e República Checa prefeririam viver com os Tratados actualmente em vigor.
Este debate só poderá começar a ser clarificado depois das eleições presidenciais francesas que decorrem amanhã mas só deverão ser conclusivas à segunda volta, dentro de duas semanas.
Na mesma linha de Blair, Nicolas Sarkozy, o candidato da direita tradicional que, segundo as sondagens, lidera as intenções de voto, já exprimiu a preferência por um "mini-Tratado" que não necessite de ser submetido a referendo. Já a sua principal adversária, a socialista Segolène Royal, defende o reforço da Constituição nomeadamente em matéria social e já prometeu um novo referendo.
Presidente da UE
Embora não entrem em detalhes, Blair e Sarkozy parecem pretender preservar as disposições institucionais da Constituição, precisamente as que introduzem alterações mais profundas no quadro comunitário. Isto, nomeadamente, através da criação de um presidente permanente da UE que acaba com o mecanismo fundador das presidências semestrais rotativas entre todos os países.
Ambos mantêm em contrapartida o silêncio sobre o que, do seu ponto de vista, permitirá evitar um referendo. Blair apenas disse que terá de ser um texto que preserve o actual equilíbrio de competências entre a UE e os Estados-membros. No entanto, esse é, grosso modo, o caso do actual projecto de Constituição, que não contém transferências assinaláveis de soberania dos Estados para a UE. Sobretudo quando comparado com o verdadeiro salto que representou o Tratado de Maastricht, com a criação do euro, da política externa e de segurança comum e da cooperação policial e judiciária, mas que não foi referendado no Reino Unido.
Enquanto espera pela clarificação do panorama eleitoral francês, Merkel prossegue activamente as consultas aos seus pares. Os seus esforços de persuasão concentraram-se nas últimas semanas nos dois ossos mais duros de roer: a Polónia, o único país que exige reabrir o espinhoso capítulo das votações no conselho de ministros da UE, e a República Checa, pouco apressada na definição de uma solução.