Por Luís Mira Amaral e Pedro Sampaio Nunes, in Jornal Público
A opção feita pela aposta excessiva nalgumas renováveis para a produção de electricidade tem custos elevadíssimos por razões técnicas que iremos explicar, tendo esses custos sido até agora disfarçados de várias formas, e que com a persistência das actuais políticas se irão agravar necessariamente no futuro, qualquer que seja a evolução do preço do petróleo. Isto porque a energia eólica - da qual Portugal dispõe de um recurso sofrível em termos europeus - apenas produz em média durante cerca de 2200 horas das 8760 horas do ano, ou seja, cerca de 25 por cento do tempo e, dado que se trata duma fonte energética intermitente e incontrolável, essas horas pouco têm a ver com as horas em que a rede delas tem necessidade.
Trata-se dum caso evidente em que a potência instalada apenas produz energia em 25 por cento do tempo!
A consequência deste facto é dramática, dado que a respectiva potência instalada é já muito elevada e a cada momento a produção total na rede tem que igualar o consumo.
Quando existe vento a mais, para além de se ter de parar a geração termoeléctrica a carvão e a gás natural, tem que se armazenar essa energia em barragens construídas para o efeito, uma vez que a capacidade actual já não é suficiente. E, se chover muito nessa altura, como aconteceu no Inverno passado, acontece termos que deitar fora essa energia por se ter atingido a capacidade máxima de segurança das barragens, ou então exportá-la a preços nulos para Espanha, dado que, face às semelhanças climatéricas, Espanha se encontra normalmente a braços com o mesmo problema de excesso de energia nessas alturas de muita chuva e muito vento em Portugal.
Mas também acontece o contrário, isto é, haver necessidade de energia eléctrica e desaparecer o vento, por vezes abruptamente, e não se ter, nomeadamente no pino do Verão, água nas barragens. Por isso tem que se ter em reserva capacidade de geração termoeléctrica a carvão e a gás, a funcionar em permanência a pouca carga, à espera da altura em que caia o vento, e por isso a funcionar anualmente muito menos horas do que o desejável para um rendimento óptimo. Ou seja, neste contexto temos que dimensionar um parque electroprodutor para a hora de maior consumo do ano, sem contar com a potência eólica instalada, porque nessa hora pode não haver vento e os consumidores têm de ser abastecidos.
Quer isto dizer que para suportar uma energia já de si muito mais cara do que dispõem os nossos concorrentes, temos que triplicar os investimentos: porque precisamos também de ter barragens, para quando há vento a mais, e de ter centrais térmicas, para quando há vento a menos, o que acontece em 70 por cento do tempo.
Para a solar o problema é idêntico, com algumas diferenças: a energia é directamente muito mais cara e as horas em que produz são ainda menos - cerca de 1500 horas das 8760 horas do ano -, apesar de neste aspecto o nosso recurso natural ser substancialmente melhor do que o dos nossos parceiros.
É este o drama da aposta do Governo nas "renováveis da moda" para produzir electricidade, que ainda por cima não substituem nenhum petróleo, o qual já não se usa na geração eléctrica, e ainda estamos muito longe do tempo em que teremos a massificação do automóvel eléctrico, caso em que a electricidade substituiria o petróleo. Não será seguramente na próxima década, pelo que a aposta fantasista deste Governo no carro eléctrico ir-se-á transformar também noutro enorme elefante branco.
A esse propósito é útil uma leitura do parecer do conselho tarifário da ERSE de Dezembro de 2010 sobre a proposta de tarifário eléctrico da ERSE para 2011.
Nesse parecer é dito de forma clara que "julga o conselho tarifário que é a própria sustentabilidade do sector que está em jogo, podendo esta situação gerar níveis insustentáveis e socialmente inaceitáveis já no ano de 2012". Pela sua importância reproduzimos o próprio texto do conselho tarifário: "O CT tem reiteradamente alertado nos seus pareceres para o crescimento exponencial destes CIEG e pedido à ERSE para diligenciar, junto das instâncias competentes, a sua inquietação quanto ao condicionamento que os mesmos acarretam na fixação anual de tarifas. Infelizmente, tal não parece ter produzido efeitos, dado que não só se assiste a um crescendo volume de encargos a suportar pelos contribuintes de energia eléctrica, como são criadas, com alguma regularidade, novas componentes."
Entretanto, no passado dia 20 Dezembro, o PÚBLICO publicou uma entrevista a dois dos elementos mais conotados com a energia eólica e a co-geração, que representam as parcelas que estão hoje na berlinda como duas das principais responsáveis pelos indesejados aumentos verificados.
Uma questão fundamental desta entrevista é a tentativa de minimizar os sobrecustos das energias renováveis e da co-geração (PRE) nos actuais aumentos do tarifário eléctrico, nomeadamente face aos designados CAE e CMEC.
Ora, o que está realmente em causa é a tendência incontrolável de aumento dos chamados "custos de interesse económico geral" (CIEG), cuja evolução ao longo do tempo e a sua desagregação se pode ver no gráfico (ver infografia), ao qual se juntou o défice tarifário de 2009:
O que é que nos diz este gráfico? Que desde que este Governo chegou ao poder, em 2005, os aumentos dos CIEG custaram aos consumidores cerca de sete mil milhões de euros, dos quais dois mil milhões se encontram em dívida no défice tarifário, e o restante tem vindo a ser acrescentado às contas das famílias e agora também das empresas. E esse processo, se não se inflectir imediatamente a política seguida, vai continuar em bola de neve.
Mas poder-se-ia dizer que esta política nos estaria a proteger do aumento da nossa dependência do petróleo, que teria diminuído a olhos vistos. Falso. A factura energética das importações de petróleo e seus derivados aumentou 1400 milhões de euros de Janeiro a Outubro de 2010 em relação a igual período do ano anterior e o ano de 2011 arrisca-se a ser aquele em que o país pagará a sua factura energética líquida mais elevada de sempre. E pela simples razão que a electricidade de origem eólica, apesar do seu custo enorme e descontrolado, em nada diminui as importações do petróleo que se utiliza nos transportes.
Também as recentes afirmações na Assembleia da República do secretário de Estado Carlos Zorrinho e de António Mexia de que depois de 2015 o custo da electricidade obtida a partir das "renováveis da moda" se tornaria mais barata que o custo da electricidade convencional não correspondem infelizmente à realidade, como se pode ver no gráfico anterior. De facto, os custos crescentes da geração térmica a carvão e a gás natural não são compensados pela existência da geração renovável intermitente, porque esta só está disponível numa parcela muito pequena do tempo, e essa parcela não é previsível nem controlável, implicando um aumento do custo da geração fóssil, ou seja, os referidos CMEC, CAE e ainda o novo custo derivado da garantia de potência que foi estabelecida por via legal em Agosto de 2010.
Como se pode ver, os custos que aumentam de forma geométrica são os sobrecustos da PRE (sobretudo eólica e fotovoltaica), com o aumento dos CMEC e CAE como consequência precisamente do aproveitamento subóptimo do parque convencional, por sua vez consequência directa da intermitência a que são obrigados as centrais térmicas a carvão e a gás natural devida à prioridade absoluta dada às eólicas e fotovoltaicas. Isto confirma que o mix de produção já está desequilibrado com excessos destas renováveis, e é esse excesso que explica os aumentos dos CMEC e CAE!
Tudo isso já vinha dito no Manifesto para Uma Nova Política Energética que os subscritores deste artigo tiveram a honra de subscrever e que foi publicado em 7 de Abril de 2010.
E em relação à criação de emprego e contrariamente às centrais termoeléctricas, às centrais a biomassa ou aos biocombustíveis, a criação de emprego é apenas limitada à fase de construção dos aerogeradores e dos painéis fotovoltaicos, sendo que ao longo da sua vida útil não existem mais empregos senão residuais.
E são infelizmente muitíssimo mais os empregos eliminados pela destruição da competitividade do nosso sector exportador, provocada pelos referidos sobrecustos da factura eléctrica.
Por último a afirmação de que na Dinamarca a produção renovável seria de 80 por cento é falsa, pois que é apenas de 29 por cento, dos quais a componente eólica é de 19 por cento e a biomassa 10 por cento. Pode-se ver a evolução oficial das fontes da geração eléctrica na Dinamarca no gráfico (ver infografia). A Dinamarca, país ambientalmente responsável, mas que sabe fazer as contas e por isso é rica, não alinha nos nossos exageros.
Em suma, e conforme previsto no Manifesto atrás referido, tornou-se agora já óbvio para a generalidade dos consumidores, e muito em especial para o tecido produtivo, que a actual política energética não serve a economia de Portugal. E para se alterar esta situação é necessária uma nova política que tenha como objectivo prioritário a redução dos custos energéticos, e muito em especial a redução do tarifário eléctrico.
Só assim a aposta do próprio Governo numa recuperação económica baseada na exportação de bens directamente transaccionáveis fará sentido e terá coerência interna. Luís Mira Amaral - engenheiro e economista; Pedro Sampaio Nunes - engenheiro