26.1.11

Juristas duvidam que mudanças no regime das indemnizações gerem mais emprego

Por Raquel Martins, in Jornal Público

Proposta do Governo é incomparável com o regime espanhol. Em Portugal a indemnização tem por referência o salário base, enquanto em Espanha os suplementos também contam

A redução das indemnizações pagas aos trabalhadores em caso de despedimento, proposta anteontem pelo Governo ao parceiros sociais, não fomenta a criação de novos empregos no curto prazo. A opinião é unânime entre os juristas ouvidos pelo PÚBLICO que têm duas certezas quanto aos efeitos destas medidas: tornar mais baratos os despedimentos no longo prazo e deixar os trabalhadores numa situação pior do que actualmente.

Filipe Fraústo da Silva, membro da sociedade de advogados Uría Menéndez-Proença de Carvalho, não tem dúvidas: "Claramente que não [fomenta a competitividade e a criação de emprego] e não responde às necessidades das empresas", realça o jurista. Para isso acontecer, "seria preciso ir mais longe" e as mudanças teriam que se aplicar aos contratos actuais. "Medidas como estas até podem fazer sentido para as empresas, mas, numa realidade como a portuguesa, desguarnecem os trabalhadores significativamente", alerta Filipe Fraústo da Silva.

O cepticismo em relação ao objectivo do Governo é partilhado por Pedro Furtado Martins, especialista em direito laboral da Sérvulo & Associados. "No terreno, tenho sérias dúvidas de que os empregadores contratem mais ou menos com base num corte dos custos com as indemnizações", frisa, alertando que a redução dos custos com a cessação dos contratos a termo (os trabalhadores que agora tinham direito a uma compensação de dois ou três dias por cada mês, passarão a ter direito a 1,66 dias) poderá, quando muito, servir de incentivo à contratação a termo.

Incentivo à precariedade

"Conhecendo a prática das empresas portuguesas e perante uma solução que diminui os custos com a cessação dos contratos a termo, os empregadores têm mais um incentivo para contratar a termo", argumenta Pedro Furtado Martins.

Receio semelhante tem o advogado António Garcia Pereira: "Toda a proposta visa facilitar os despedimentos como forma de criar empregos precários e de baixos salários". Caso isso venha a ocorrer, frisa, a taxa de precariedade que em Portugal já está nos 22 por cento, a terceira mais alta da Europa, poderá disparar.

Já Fraústo da Silva não vê que a proposta vá influenciar a contratação a prazo, da mesma forma que não conduzirá à criação de novos postos de trabalho no curto prazo. E até considera "correcto" que o Governo opte por aliviar de forma mais expressiva as compensações pagas aos contratos inferiores a seis meses. "De certa forma, o Governo está a harmonizar o regime de indemnizações dos despedimentos colectivos com o regime cessação de contratos a prazo. Isso é correcto", diz.

Na proposta que anteontem apresentou aos parceiros sociais, a ministra do Trabalho propôs a redução das indemnizações pagas aos trabalhadores em caso de despedimento colectivo, extinção de posto de trabalho ou falência de empresa de 30 para 20 dias por cada ano de antiguidade, o fim do limite mínimo de três meses e a criação de um tecto máximo de 12 meses. O argumento é aproximar a nossa legislação da espanhola, país que concorre directamente com Portugal na captação de investimento estrangeiro. Mas esta aproximação não é total e deixa de fora um ponto fundamental: o salário que serve de base ao cálculo da indemnização.

O Governo ontem voltou a frisar que a sua proposta - que voltará a estar em cima da mesa na Comissão Permanente de Concertação Social desta tarde - coloca Portugal "exactamente ao nível de Espanha".

Porém, Garcia Pereira deixa claro que esta comparação "é falaciosa", tal como os sindicatos já tinham frisado. Fraústo da Silva acrescenta que se está a comprar o incomparável, dado que em Portugal a indemnização continuará a ser calculada com base no vencimento base mais diuturnidades, enquanto em Espanha os suplementos, como a isenção de horários de trabalho ou o trabalho nocturno, são contabilizados.

"Isso faz toda a diferença", frisa Garcia Pereira, "sobretudo em sistemas onde as políticas flexíveis de remuneração têm sido incentivadas".

Fraústo da Silva dá outra achega: "É tudo diferente". Em Espanha, a taxa contributiva dos trabalhadores para cobrir as mesmas eventualidades é de 4,7 por cento, enquanto em Portugal é de 11 por cento, o salário médio é de 1538 euros e compara com os 894 euros nacionais, o salário mínimo de 641 euros é superior aos 485 euros em Portugal (500 euros até ao final do ano).