Por Raquel Martins, in Jornal Público
Empresas aplaudem redução das indemnizações, mas rejeitam a criação de um fundo para financiar os despedimentos e avisam que serão os salários a pagar
A redução dos salários dos trabalhadores será uma das consequências do novo regime de indemnizações ontem apresentado pelo Governo. A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) não tem dúvidas de que se trata de uma nova "taxa" que acabará por se reflectir nos salários, um receio que a CGTP também expressou, alertando que a criação de um fundo para financiar os despedimentos - que "as empresas rejeitam e não querem suportar" - acabará por ser pago pelos trabalhadores.
"Nesta situação de crise, se obrigarem as empresas a contribuir para o fundo, as consequências serão necessariamente essas [reduzir os salários propostos aos trabalhadores]", admitiu o presidente da CCP, João Vieira Lopes, no final da Comissão Permanente de Concertação Social que ontem reuniu para discutir as mudanças no sistema de indemnizações português.
No encontro, a ministra do Trabalho propôs aos parceiros sociais uma redução das indemnizações - que passarão a ter por base 20 dias de salário por cada ano de antiguidade contra os actuais 30 - e a imposição de um tecto máximo de 12 meses. Além disso, Helena André formalizou a criação de um fundo para financiar uma parte das indemnizações, alimentado exclusivamente pelas empresas.
O modelo proposto é semelhante ao que vigora em Espanha e vai aplicar-se aos novos contratos ou às pessoas que mudem de emprego depois da entrada em vigor da medida, pelo que o seu impacto não será imediato. Ainda assim, e no futuro, acabará por prejudicar os trabalhadores com mais anos de serviço. Um trabalhador que seja alvo de despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho que tenha um salário de 1200 euros e 18 anos de casa receberia agora 21.600 euros de indemnização. Se a proposta do Governo seguir por diante, receberá no máximo 9600 euros, o que representa uma perda de 55,5 por cento.
Por outro lado, ao acabar com o limite mínimo de três meses de salário agora previsto, a proposta prejudica também os trabalhadores com menos anos de antiguidade.
A ministra Helena André garante que a intenção do Governo é "promover a criação de emprego", argumentando que é preciso alinhar a legislação portuguesa com a dos outros países, nomeadamente com Espanha.
Mas isso não convenceu os sindicatos. A CGTP acusou o Governo de estar a fazer "um golpe palaciano contra os direitos mais elementares dos trabalhadores", acusando-o de importar apenas os aspectos negativos dos outros países. Alertando que não há "qualquer margem para negociar" uma proposta que "favorece as entidades patronais", Arménio Carlos, da Intersindical, alertou que o fundo para despedimentos "vai forçar a revisão em baixa dos salários".
A UGT critica as medidas, mas está aberta ao diálogo e recusa que esteja em risco uma redução dos salários. Ainda assim, alerta, "está por demonstrar" que a proposta promova a criação de emprego tal como o Governo pretende. João Proença acusou o Governo de "copiar o modelo espanhol" e ironizou: "Se nos derem o salário espanhol, aceitamos de imediato a proposta do Governo!"
Também a CCP, a única confederação patronal que ontem aceitou falar, diz que dificilmente a proposta do Governo irá fomentar a criação de emprego. "Não vemos como pode ser criado um fundo que terá um papel desincentivador na criação de emprego", questionou João Vieira Lopes, embora aplauda a redução das indemnizações, que vai ao encontro das suas pretensões.
Helena André não se comoveu com as críticas e manteve que as propostas visam "garantir a possibilidade de os trabalhadores receberem uma parte da indemnização a que têm direito, o que até aqui não era garantido".