10.5.23

Madalena tem 9 anos e já não vai de carro para a escola: passou a ir de Amarelo, os autocarros da Carris com monitores lá dentro

Raquel Albuquerque e Tiago Miranda, in Expresso


A Câmara de Lisboa está a testar um projeto que tenta dar resposta a dois problemas - o elevado número de crianças a ir de carro para a escola e o receio de muitos pais em deixá-los ir sozinhos de autocarro. Para isso, está a por monitores em algumas carreiras. De passe ao pescoço, as crianças que já usam o Amarelo sonham agora com o passo seguinte: “Os meus pais disseram que quando eu fizer 9 ou 10 anos já posso ir sozinha de casa até à paragem”

De capuz na cabeça, Madalena, de 9 anos, entra no autocarro e valida o passe que traz pendurado numa fita ao pescoço. À sua espera, à porta, está o monitor que a ajuda a levar a mochila de rodinhas até aos bancos onde irão sentar-se os outros colegas que, de paragem em paragem, também entram naquela carreira do Amarelo que vai dos Olivais à Encarnação, em Lisboa.

Madalena deixou de ir de carro para a escola há já uns meses, acha que o Amarelo é uma boa ideia, os pais ficam tranquilos e nem tem de os avisar quando chega à escola. Entretanto, já se habituou à nova rotina: acorda às 7h40, levam-na a pé à paragem e chega à escola às 8h30, ainda com meia hora para brincar antes das aulas do 4.º ano.


Desde a primeira paragem da carreira de bairro 29 até à Escola Básica Paulino Montez são cerca de 20 minutos, se não houver atrasos. À chegada, o monitor lembra que é preciso que um dos pequenos passageiros carregue no botão do STOP para que a motorista, que também já os conhece, pare o autocarro na paragem seguinte. Agarram nas mochilas, saem e vão em grupo, acompanhados pelo monitor Diogo até à porta da escola, de passadeira em passadeira.

No autocarro ficam mais três colegas que seguem para outra escola, acompanhados pela monitora Marta, que, tal como o Diogo, também é funcionária da junta e trabalha na escola. Ao todo, esta terça-feira, foram 12 as crianças que apanharam a carreira 29B do Amarelo. Com idades entre os 5 e os 10 anos, quase todas no 1.º ciclo, foram inscritas pelos pais no projeto-piloto de mobilidade escolar promovido pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) e pela Carris, com o apoio das juntas de freguesia, que arrancou há pouco mais de meio ano.

A ideia é que a presença de monitores em todo o percurso destas carreiras de autocarro faça os pais sentirem-se mais seguros em deixar os filhos ir de autocarro para a escola. O projeto-piloto, a que foi dado o nome de Amarelo, usa a rede de autocarros da Carris já existente - não são autocarros especiais - e está a ser testado em escolas dos Olivais e de Benfica, dirigido sobretudo às crianças do 1.º ciclo.

Desde outubro que a CML está a monitorizar o projeto para perceber o que é preciso melhorar e com o intuito de implementar o Amarelo no início do próximo ano letivo em mais escolas do concelho de Lisboa.

O objetivo é claro: reduzir o número de crianças a ir todos os dias de carro para a escola e promover a utilização do transporte público. Segundo dados da CML, o automóvel é o meio de deslocação usado por quase metade dos alunos de Lisboa (45%). E o impacto é muito evidente na cidade todos os dias: basta ver o efeito que as férias letivas têm na circulação nas estradas, estimando-se uma redução de 20% do trânsito nesses períodos. Além disso, quanto mais carros param na envolvente das escolas, maior é a insegurança das crianças que por ali circulam a pé.
CROMOS DE ELÉTRICOS NO CARTÃO DE CLIENTE

Mais de metade (56%) dos alunos da Escola Básica Paulino Montez que se inscreveram no Amarelo iam de carro para a escola. E isso quer dizer que as 12 crianças que seguiam nesta carreira do Amarelo significam, em média, menos seis automóveis a fazer esse trajeto diariamente e a parar à porta da escola.

Numa das paragens do 29B, estão duas irmãs, Joana de 5 anos e Maria Inês de 10, à espera do autocarro com a mãe. Rapidamente lhe acenam, entram no Amarelo e sentam-se lado a lado, perto dos colegas de carreira. “Vimos quase sempre e gostamos muito. A minha irmã só não vem à quarta-feira porque nesse dia tem de trazer a bicicleta e não pode vir aqui dentro do autocarro. A bicicleta é para umas atividades na escola, assim de desenvolvimento, para ela aprender a andar melhor de bicicleta”, descreve Maria Inês, a irmã mais velha. “A nossa mãe vem connosco até à paragem e fica à espera que o autocarro chegue.”

À entrada, desta vez, tiveram todos uma surpresa: o monitor Diogo deu uma espécie de caderneta de cromos a cada um, dobrada num retângulo pequeno do tamanho do passe, para caber na bolsa que trazem pendurada com a fita ao pescoço. É uma espécie de cartão de cliente onde vão colando um selo por cada viagem que fazem no Amarelo. Cada autocolante tem a imagem de um elétrico antigo e, no final, juntando todos os selos, ganham uma visita ao Museu da Carris.

Luana, de oito anos, entra numa paragem já mais perto da escola e senta-se a tentar desvendar como se desdobra a nova caderneta de cromos e quem é que lhe dá o autocolante para lá pôr. Se gosta de vir de autocarro? “Gosto muito. E sabes uma coisa? Os meus pais disseram que quando eu fizer 9 ou 10 anos já posso ir sozinha de casa até à paragem.”

O projeto-piloto da CML, que surgiu em resultado de uma proposta do PCP para promover o transporte escolar, tem agora 70 inscritos, embora nem todos tenham ainda usado o serviço. “Começámos por estudar a cidade toda e percebemos que havia potencial para fazer este serviço com a rede de autocarros que já existia da Carris”, descreve Sofia Baltazar Knapič, técnica da Divisão de Estudos e Planeamento da Mobilidade da CML.

“Todos os dias recolhemos informação e estamos sempre a avaliar o projeto. Por exemplo, com a Carris, já tivemos de fazer ajustes no tamanho dos autocarros e nos horários de algumas carreiras para os conciliar com as horas das escolas. Além disso, vai ser feito um trabalho de requalificação das envolventes escolares.”

É que, a par dos horários e das carreiras de autocarro, apostar na mobilidade escolar passa por garantir que, no espaço público à volta dos estabelecimentos de ensino, existem as condições de segurança necessárias para a circulação das crianças. E isso inclui o tamanho dos passeios e a localização das passadeiras. Junto à Escola Básica Paulino Montez, por exemplo, a CML e a Carris estão em vias de alterar a localização da paragem do autocarro apenas uns metros para garantir um acesso mais facilitado até à escola.

Para aumentar o número de crianças a ir de transportes públicos para a escola ao ponto de sentir efeito na circulação de automóveis, ainda há um longo caminho a percorrer. Mas está dado um primeiro passo e nas escolas abrangidas pelo projeto-piloto as inscrições continuam abertas.