Samuel Silva, in Jornal Público
Monocultura do têxtil acentua crise. Pedido plano de emergência semelhante ao do sector automóvel
A boa notícia veio nas últimas contas regionais fornecidas pelo Instituto Nacional de Estatística. Entre 2005 e 2007 o produto do Norte de Portugal cresceu acima da média nacional. Mas a medalha tem sempre um reverso, e, neste caso, a má notícia vem do vale do Ave, uma das principais fontes de riqueza da região, que está em contraciclo, perdendo competitividade há mais de uma década.
A retoma quase generalizada verificada no Norte té 2007 - e já abalada pela crise que se acentuou no final de 2008 - não foi acompanhada pela sub-região, que é ainda a sua principal exportadora. A divergência do PIB do Ave acentuou-se nos últimos três anos para os quais há dados, face ao crescimento das regiões vizinhas. O Tâmega ou o Entre Douro e Vouga, zonas menos industrializadas, conseguem ter melhores performances e mesmo o Cávado, onde o têxtil também tem grande expressão, apresenta sinais de crescimento.
Os números estão contidos no estudo Situação Económica e Social da Região Norte, apresentado pela CCDR-N em Dezembro, e confirmam o cenário de forte crise no vale do Ave. E se há uns anos seria impensável pensar no desenvolvimento do Norte sem pensar no crescimento da região do têxtil, os números mostram que, nos últimos anos, o PIB regional cresceu não em consequência do Ave, mas apesar do Ave.
A chave para a perda de fulgor da região está na produtividade. "Há uma fraca qualificação das pessoas, mas sobretudo das empresas, que têm um problema organizacional", analisa António Figueiredo, professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, que coordenou vários estudos sobre o vale do Ave. A essa dificuldade junta-se uma questão estrutural a ter em conta: "Nesta região há muitas pessoas a trabalhar em sectores de produtividade baixa."
Os números mostram que o crescimento do Norte tem sido feito à custa de um aumento da produtividade. E o vale do Ave está historicamente votado a uma monocultura industrial do têxtil e do vestuário, uma área de mão-de-obra intensiva e onde tem havido parcos investimentos na modernização tecnológica. Esta ideia é corroborada pelos actores regionais. "O Ave está a ser descapitalizado pela via do encerramento das empresas e não é o turismo ou o sector dos serviços que substituem a indústria", sublinha Luís Ribeiro Fontes, secretário-geral da Associação Nacional das Indústrias de Têxteis-Lar (ANIT-Lar) - que concentra na região 50 por cento das empresas associadas.
O líder associativo enumera um conjunto de dificuldades que se têm acentuado, como o aumento da factura energética, da tarifa para tratamento de efluentes e a criação da taxa de recursos hídricos, e afirma que o têxtil é visto como "fardo quase sem futuro" pelo resto do país.
Mais desemprego à vista
Para Adão Mendes, coordenador da União de Sindicatos de Braga, é claro que "a região entrou em total desaceleração nos últimos três ou quatro anos". E o sindicalista só desconfia que o diagnóstico peque por defeito. Os problemas estruturais da região têm sido acentuados com o actual cenário de crise internacional. "Há uma dupla crise a atacar estes territórios. O Ave é sobrepenalizado pela crise internacional, por causa dos problemas locais", afirma António Figueiredo.
Nos primeiros nove meses de 2008, faliram 440 empresas no distrito de Braga. Os encerramentos têm tido consequências num aumento do desemprego na região, que ultrapassa em larga escala a taxa média nacional. Desde Abril, há mais três mil desempregados no vale do Ave, dos quais um terço se localiza no concelho de Guimarães. Nos centros de emprego da região estão inscritos 40 mil desempregados, mas a taxa de desemprego real deve ascender, segundo a União de Sindicatos de Braga, a 15 por cento.
Esta tendência tende a agravar-se nos próximos meses, uma vez que algumas das maiores empresas da região estão em dificuldades face à quebra de encomendas e estão a negociar o despedimento de algumas centenas de trabalhadores. À volta destas unidades têxteis sobrevive um conjunto de microempresas que podem entrar em colapso, pelo que o número de despedimentos deve ascender aos 2000 nos primeiros meses do ano. O desemprego tem criado problemas do ponto de vista social e fez ressurgir uma realidade com que os habitantes do Ave há muito não conviviam: a emigração.
Plano de emergência
Este diagnóstico obriga, por isso, a que se pense em dois tipos de medidas para combater o cenário. Se, por um lado, o Ave precisa de redireccionar o seu tecido produtivo, por outro, todos assumem que é necessário intervir desde já, nomeadamente em termos sociais.
A União de Sindicatos de Braga exige que o Governo adopte um plano de crise para a região, que seja capaz de apoiar os desempregados e ajudar à sobrevivência das empresas, à semelhança do que foi feito em resposta à crise regional dos anos 80.
Para António Marques, presidente da Associação Industrial do Minho, a importância do vale do Ave justifica medidas idênticas às tomadas na defesa do sector automóvel. "A têxtil representa 12 por cento das exportações nacionais e emprega 180 mil pessoas e também devia poder recorrer aos incentivos à formação para que não haja despedimento de trabalhadores", sublinha.
A AIMinho apresentou já ao Governo um pacote de medidas de emergência. "Há intervenções que têm que ser feitas em três ou quatro meses, sob pena de ser tarde", afirma António Marques. A associação empresarial defende que o acesso aos fundos do QREN seja acelerado e que a medida seja acompanhada de uma diminuição temporária da carga fiscal e da alteração das regras do pagamento do IVA.
"Há intervenções que têm que ser feitas em três ou quatro meses, sob pena de ser tarde", afirma António Marques.
Universidade e Ave Park são exemplos
É preciso produção com mais valor acrescentado
Há unanimidade à volta da necessidade de uma intervenção de curto prazo para ultrapassar os problemas. Mas à região coloca-se outro desafio: reformular a sua estrutura industrial. "O Ave tem necessidade de progredir na cadeia de valor. O sector dominante vai entrar numa terciarização, em que o design, a moda e a mundialização são mais importantes do que a produção industrial", antecipa António Figueiredo, da Faculdade de Economia do Porto. Para este investigador, a região tem motivos para ter um "optimismo a prazo" e aponta o contributo da Universidade do Minho, que tem fomentado o aparecimento de várias empresas de base tecnológica. "São elas que vão mudar a imagem do Ave", afirma. A localização no Ave Park, em Guimarães, do Instituto Europeu de Medicina Regenerativa, é apontada como um exemplo desta "mudança de paradigma". E o próprio parque tecnológico pode ter um papel importante. Para Figueiredo este é "um investimento positivo, ainda que tardio". O director-geral do Ave Park, Carlos Remísio, concorda com a análise: "Perdemos quase 20 anos. Se não tivesse havido esse atraso, a região estaria melhor preparada para enfrentar a crise decorrente da globalização." No entanto, acredita que a região está a dar passo seguros. "Temos que ser capazes de criar empresas de alto valor acrescentado. É um caminho longo, mas é o caminho certo", considera.


