15.12.14

Quase 70 anos depois, os direitos humanos estão muito por cumprir

Por Gerson Ingrês, in Local.pt

LISBOA – A derrota do nazismo, as lutas de libertação nacional, a longa luta pela igualdade e o progresso económico e tecnológico pareciam ter inaugurado uma irreversível era de paz, prosperidade, justiça e igualdade. Era suposto ser essa a lição que o mundo tirara de todas as contradições sociais e de todas as lutas políticas para erguer um modelo de sociedade democrática onde a liberdade e a igualdade eram tidos como adquiridos civilizacionais. A declaração universal dos direitos humanos parecia encaminhar-se para uma síntese de quase todas as aspirações para um mundo melhor. Consequência e inspiração da historia de lutas revolucionárias pela liberdade, ela própria inspirou muitos contextos e muitas organizações sociais, culturais e políticas em assentam os nossos regimes actuais.

No entanto, quase 70 anos volvidos, os direitos humanos ou estão praticamente por cumprir em muitos pontos do globo, ou estão seriamente ameaçados onde tinham ganho alguma implantação e/ou legitimidade, social, cultural e política. Hoje em dia, nenhum campo social e político nem nenhuma esfera de direitos escapam a esta ameaça. Apesar do progresso económico, tecnológico e científico, a violência da guerra, da pobreza, da ocupação, da repressão, da perseguição política, da desigualdade, do machismo, da homofobia e do racismo são realidades quotidianas da maior parte da humanidade.

Pois, quase 70 anos depois da declaração universal dos direitos humanos, da derrota moral do nazismo, 50 anos após as lutas de libertação nacional, 40 anos depois da luta pelos direitos civis, 20 anos depois do fim do apartheid, o racismo permanece vivo e assume contornos cada mais violentos que nos transportam para a ideologia esclavagista e colonial.

A cor da pele, a religião e a cultura continuam a ser combustível para ideologia racista. O nazismo e o racismo primário renascem nos neofascismos, com a extrema direita europeia a descolar-se das margens para o centro do mapa político europeu. A gestão política da diversidade cultural e da mobilidade assenta num consenso político que nega o direito à diferença.

Hoje, mulheres, homossexuais, muçulmanos, ciganos e negros continuam a ser violentados por causa da sua própria condição. À violência física e simbólica nenhuma esfera das suas vidas escapa!

O que a violência policial sistemática que germina no racismo institucional mostra é que estamos bem longe da quimera da celebrada era pós-racial! Em Portugal, o tratamento dos Negros e Ciganos inscreve-se profundamente no racismo estrutural que continua vigente nas instituições e na sociedade.

À segregação espacial, social, económica, juntam-se vergonhosa e inaceitavelmente, demolições de casas, aparatosas e frequentes rusgas expeditivas nos bairros como mecanismo de controlo social e de chantagem psicológica!

É disso e de mais coisas que queremos discutir no “4º meet” da próxima sexta-feira,na nossa sede de Lisboa (R. D. Luís de Noronha, à Pr. de Espanha) com um jantar-tertúlia sobre a racialização do espaço público. Santa Filomena, Bairro 6 de Maio, Casal da Mira, Aldoar, Moura, Ferguson…. Casos e motivos não faltam para o debate e a urgência de uma resposta!

Esta tertúlia vem culminar uma semana de intensa atividade na comemoração dos 24 anos do SOS Racismo que se iniciou na Tocha (Cantanhede) com a realização da 15º Formação (e Assembleia Geral com eleição da nova direção), que continuou com debates em escolas (hoje, dia oficial do nosso aniversário, estivemos na Esc. Sec. Fernando Lopes Graça/Parede)bem como pela edição de um novo livro (de Ana Cristina Pereira e Mike Jempson, “Todas as Vozes – A diversidade e os media”, a ser lançado brevemente).

De destacar que, no passado fim de semana alargado, na Tocha, quase uma centena de membro@s do SOS Racismo e de outras associações (em que se destacou a presença de 10 ativistas ciganas e ciganos de Norte a Sul do país – Braga, Porto, F. Foz, Moura, Ericeira, Tomar – bem como ativistas das lutas contra os despejos e pelo Direito à Habitação – Stª Filomena, Qtª do Mocho, Fim do Mundo, Stª Tecla, Ingote, Bacêlo, Barruncho, etc., debateu uma série de temas (ver programa em anexo) importantes para o crescimento de uma consciência coletiva diversa, para a luta contra a discriminação, o racismo, a xenofobia e a extrema-direita,.

Esta formação contou ainda com a presença de ativistas de França, Itália, Brasil, Estado Espanhol.

Desse debate saíram propostas que irão ser apresentadas a todo o movimento associativo que queira, efetivamente, acabar com a hipocrisia de uma Europa que clama pela defesa dos direitos humanos, ao mesmo tempo que vai praticando um genocídio nas suas fronteiras e promovendo a desigualdade, a discriminação e o racismo no seu interior, impedindo o desenvolvimento de uma cidadania ativa e participativa de todas as pessoas que nela habitam, impondo leis cada vez mais discriminatórias.

A luta pelos direitos das minorias étnicas, nomeadamente a cigana, pelo direito de voto para tod@s, a luta contra a Violência Policial e contra os guetos, sejam eles centros de detenção ou bairros sociais (cada vez mais parecidos) e a forma de concretizar esse combate, foram algumas das ideias intensamente debatidas durante esses três dias.