15.12.14

Um milhão e 200 mil

Por Miguel Romão, in iOnline

Os últimos anos foram inequivocamente os anos do acentuar das desigualdades. No país mais desigual da Europa, era do que não se precisava. De mais desigualdade. Acentuaram-se as desigualdades atendendo a quase todas as dicotomias imagináveis, muitas vezes a coberto de um discurso público cínico, de redução das desigualdades. Opuseram-se trabalhadores do sector público e trabalhadores do sector privado. Activos e reformados. Empregados e desempregados. Jovens e menos jovens. Consumidores e excluídos do consumo. Doentes dependentes do SNS e doentes dos prestadores privados. Estudantes que vão para a universidade e estudantes que não podem ir. Jovens elegíveis para estágios profissionais e desempregados não elegíveis. Famílias com filhos e famílias sem filhos. Famílias de progenitores homossexuais e famílias de progenitores heterossexuais. E assim por diante.

De todos os números que atestam esta realidade, os mais impressionantes são, sem dúvida, os do desemprego. Um milhão e 200 mil não trabalham, de entre desempregados, inactivos e empregados a tempo parcial que querem trabalhar mais horas. E deste milhão e 200 mil, apenas 30 mil representam inactivos não disponíveis. Neste grande milhão vazio, 32% são jovens entre os 15 e os 24 anos. E 67% estão desempregados há mais de um ano. Fora aqueles que escaparam à miséria ao passar a fronteira.

De todos os erros cometidos, o maior terá sido considerar o trabalho como uma simples variável idêntica a muitas outras. Considerar que a explosão do desemprego era algo tão anódino no papel como as variações dos juros da dívida ou da percentagem do défice. Algo que se ia gerindo com o passar do tempo e que não merecia uma atenção especial. Fizeram-se as contas ao valor do trabalho, mas esqueceram-se do trabalho como valor, talvez por muitos dos políticos no activo nunca terem necessitado de procurar trabalho: ou porque nasceram num tempo em que as portas do mercado se abriam de par em par para alguém minimamente qualificado, tal a escassez de qualificações; ou porque alguém os empacotou nalgum lugar, dentro ou fora da linha de montagem do partido.

Este é o grande desafio para o próximo ciclo político, até porque não ter o que fazer ao sair da cama de manhã, dia após dia, é algo que abala as convicções. E são as convicções que mudam os regimes e os países.